HOLOTRÓPICA – TÉCNICA DE RESPIRAÇÃO DE CURA PROFUNDA DA ALMA

 
A Respiração Holotrópica
Por Stanislav Grof
Teoria e Prática da Respiração Holotrópica
Nos últimos vinte anos, minha esposa Christina e eu desenvolvemos uma abordagem para a terapia e a auto-exploração que chamamos de “respiração holotrópica”. Ela induz estados holotrópicos muito poderosos através de uma combinação de meios muito simples — respiração acelerada, música evocativa e uma técnica de trabalho corporal que ajuda a liberar bloqueios bioenergéticos e emocionais residuais. Em sua teoria e prática, esse método une e integra vários elementos de tradições antigas e aborígenes, filosofias espirituais orientais e psicologia profunda do ocidente.
O Poder de Cura da Respiração
A utilização de várias técnicas de respiração com propósitos religiosos e curativos pode ser encontrada no despertar da história da humanidade. Nas culturas antigas e pré-industriais, a respiração e o respirar desempenharam um importante papel em cosmologia, mitologia e filosofia, assim como foram uma ferramenta importante nas práticas rituais e espirituais. Desde o início da história, quase todos os principais sistemas psicoespirituais que buscam compreender a natureza humana têm visto a respiração como um elo crucial entre corpo, mente e espírito. Isso reflete-se claramente nas palavras que significam ‘respiração’ em várias línguas.
Na antiga literatura indiana, o termo prana significava não apenas respiração física e ar, mas também a essência sagrada da vida. Similarmente, na tradicional medicina chinesa, a palavra chi refere-se essência cósmica e à energia da vida, assim como ao ar natural que respiramos com nossos pulmões. No Japão, a palavra correspondente é ki. O ki representa um papel de extrema importância nas práticas espirituais japonesas e nas artes marciais. Na Grécia antiga, a palavra pneuma significava tanto ar, como respiração, e espírito ou essência da vida. Os gregos também viam a respiração em relação de proximidade com a psique. O termo phren era usado tanto para o diafragma, o maior músculo envolvido na respiração, quanto para a mente (como podemos ver no termo esquizofrenia = mente cindida). Na antiga tradição hebraica, a mesma palavra, ruach, significava respiração e espírito criativo, que eram vistos como idênticos. Em latim, o mesmo nome era usado para respiração e espírito — spiritus. Similarmente, nas línguas eslavas, espírito e respiração têm a mesma raiz lingüística.
Há séculos que se sabe ser possível influenciar a consciência com técnicas que envolvem a respiração. Os procedimentos que têm sido usados para esse propósito, por várias culturas antigas e não-ocidentais, cobrem um âmbito muito grande, desde interferências drásticas na respiração até os exercícios sutis e sofisticados de várias tradições espirituais. Assim, a forma original do batismo, praticada pelos essênios, envolvia uma submersão forçada do neófito na água por um longo período. Isso resultava em uma poderosa experiência de morte e renascimento.
Pudemos confirmar, repetidas vezes, a observação de Wilhelm Reich de que as resistências e defesas psicológicas estão associadas à restrição da respiração (Reich, 1961). O aumento deliberado do compasso da respiração, tipicamente, relaxa as defesas psicológicas e leva à liberação e à emergência de materiais inconscientes (e superconscientes). A não ser que se tenha testemunhado ou experimentado esse processo pessoalmente, é difícil acreditar, com base puramente teórica, no poder e na eficácia dessa técnica.
O Potencial de Cura da Música
Na respiração holotrópica, o efeito de alteração da consciência ocasionado pela respiração é combinado com música evocativa. Como a respiração, a música e outras formas de tecnologia sonora têm sido usadas por milênios como poderosas ferramentas em práticas rituais e espirituais. Desde tempos imemoriais, o monótono soul de tambores, cânticos e outras técnicas de produção de som têm sido as principais ferramentas de xamãs em diferentes partes do mundo. Muitas culturas pré-industriais desenvolveram, de maneira bastante independente, ritmos de tambores que em experimentos laboratoriais têm notáveis efeitos sobre a atividade elétrica do cérebro (Jilek, 1974; Neher; 1961, 1962).
Em muitas culturas, a tecnologia sonora tem sido usada especificamente com propósitos curativos no contexto de intrincadas cerimônias. Os rituais de cura navajo, conduzidos por cantores treinados, têm uma complexidade assombrosa que já foi comparada às partituras das óperas de Wagner. A dança de transe dos kung bushmen, do deserto Kalahari na África, tem um enorme poder de cura, como já foi documentado em vários filmes e estudos antropológicos (Lee & Devore, 1976; Katz, 1976). O potencial de cura dos sincréticos rituais religiosos do Caribe e da América do Sul, como a santeria cubana ou a umbanda brasileira, é reconhecido nesses países por muitos profissionais que tiveram a tradicional formação ocidental. Casos notáveis de cura emocional e psicossomática ocorrem nos encontros de grupos cristãos que usam música, cânticos e dança, como os Domadores de Serpentes, ou as Holy Ghost People (Pessoas do Espírito Santo) e os pregadores ou membros da Igreja Pentecostal.
A música cuidadosamente selecionada parece ser valiosa principalmente nos estados holotrópicos de consciência, nos quais tem várias funções importantes. Ela mobiliza emoções associadas a memórias reprimidas, leva-as à superfície e facilita sua expressão. Ajuda a abrir a porta do inconsciente, intensifica e aprofunda o processo, e fornece um contexto significativo para a experiência. O contínuo fluxo de música cria uma onda portadora que ajuda o indivíduo a passar por experiências e impasses difíceis, superar as defesas psicológicas, render-se e soltar-se. Nas sessões de respiração holotrópica, que costumam ser conduzidas em grupo, a música tem uma função adicional: ela mascara os sons emitidos pelos participantes e os entrelaça em uma dinâmica estética.
A Utilização do Trabalho Corporal
A resposta física à respiração holotrópica varia consideravelmente de uma pessoa para outra. Na maioria dos casos, a respiração mais rápida suscita, no início, manifestações psicossomáticas mais ou menos dramáticas. Os manuais de fisiologia respiratória referem-se a essa resposta como “síndrome de hiperventilação”. Já conduzimos sessões de respiração com mais de trinta mil pessoas e observamos que a compreensão tradicional dos efeitos da respiração acelerada está incorreta.
Há muitos indivíduos que respiram mais rápido por períodos de três a quatro horas e não apresentam a clássica síndrome de hiperventilação, mas sim um relaxamento progressivo, uma intensa excitação sexual ou até mesmo experiências místicas. Outros desenvolvem tensões em várias partes do corpo, mas nesses casos, a continuação da respiração acelerada não leva a um aumento progressivo das tensões, mas inclina-se a ser auto-limitante. Tipicamente, ela alcança um clímax seguido de profundo relaxamento.
Se a respiração, em si e por si, não levar a um bom encerramento e houver tensões residuais ou emoções não resolvidas, os facilitadores oferecem aos participantes uma forma específica de trabalho corporal que os ajuda a alcançar um melhor fechamento para a sessão. A estratégia geral desse trabalho é pedir ao respirador para focalizar sua atenção na área onde há um problema e fazer o que for necessário para enfatizar as sensações físicas existentes. O facilitador então ajuda a intensificar ainda mais esses sentimentos com uma intervenção externa apropriada.
O Andamento das Sessões Holotrópicas
A natureza e o andamento das sessões holotrópicas variam consideravelmente de pessoa para pessoa e, na mesma pessoa, de sessão para sessão. Alguns indivíduos permanecem totalmente quietos e quase sem se mover. Eles podem ter experiências muito profundas, mas dão a impressão, para um observador externo, de que nada está acontecendo ou de que estão dormindo. Outros ficam agitados e demonstram uma rica atividade motora. Experimentam tremores violentos e complexas contorções, rolam pelo espaço, assumem posições fetais, comportam-se como bebês lutando no canal do parto ou parecem com recém-nascidos e agem como eles. Outros movimentos muito comuns são engatinhar, nadar, cavar ou tentar escalar. Ocasionalmente, os movimentos e gestos podem ser extremamente refinados, complexos, bastante específicos e diferenciados. Podem parecer com estranhos movimentos de animais, imitando cobras, pássaros ou felinos predadores, associados aos sons correspondentes.
Na faixa mediana do espectro experiencial observado nas sessões de respiração holotrópica, encontram-se qualidades emocionais menos extremas e mais próximas do que conhecemos de nossa existência diária — episódios de raiva, ansiedade, tristeza, desesperança e sentimentos de fracasso, inferioridade, vergonha, culpa ou desgosto. Tipicamente, eles estão ligados a memórias biográficas: suas fontes são experiências traumáticas da primeira infância, da infância ou de períodos posteriores da vida. Suas contrapartes positivas são sentimentos de felicidade, preenchimento emocional, alegria, satisfação sexual e aumento geral do prazer.
Resultados típicos de uma sessão de respiração holotrópica são profunda liberação emocional e relaxamento físico. Após uma sessão bem-sucedida e bem integrada, muitas pessoas relatam que se sentem mais relaxadas do que nunca em suas vidas. Assim, a respiração acelerada contínua representa um método de redução de estresse, extremamente poderoso e eficaz, que conduz à cura emocional e psicossomática. Outro resultado freqüente desse trabalho é a conexão com as dimensões numinosas da própria psique e com a existência em geral. Também é essa a compreensão encontrada na literatura espiritual de muitas culturas e épocas.
Desenhar Mandalas e Partilhar em Grupo
Quando a sessão termina e o respirador volta ao seu estado comum de consciência, o acompanhante vai com ele ou ela à sala das mandalas. Esta sala é equipada com uma variedade de material artístico. Nas folhas desses blocos, há desenhos, feitos a lápis, de círculos do tamanho de um prato de jantar. Pede-se aos respiradores que se sentem, meditem sobre a experiência e então encontrem uma forma de expressar o que lhes aconteceu durante a sessão.
Não há instruções específicas para desenhar. Algumas pessoas simplesmente produzem combinação de cores, outras constroem mandalas geométricas ou desenhos e pinturas figurativas. As últimas podem representar uma visão que ocorreu durante a sessão ou um relato ilustrado com várias seqüências distintas. Em algumas ocasiões, o respirador resolve documentar uma única sessão com várias mandalas refletindo diferentes aspectos ou estágios da sessão. Em casos raros, o respirador não tem qualquer idéia do que vai desenhar e produz um desenho automático.
Mais tarde no mesmo dia, os respiradores levam suas mandalas a uma sessão de relato na qual falam sobre suas experiências. A estratégia dos facilitadores que lideram o grupo é a de encorajar um máximo de abertura e honestidade na partilha das experiências. A disposição dos participantes para revelar o conteúdo de suas sessões conduz ao desenvolvimento de vínculos (bonding) e de confiança no grupo. Isso aprofunda, intensifica e acelera o processo.
O Potencial de Cura da Respiração Holotrópica
Os resultados da respiração holotrópica são às vezes tão dramáticos e significativamente conectados com experiências específicas nas sessões que não tenho qualquer dúvida de que a respiração holotrópica é uma forma viável de terapia e auto-exploração. Nesses anos, vimos várias instâncias em que os participantes dos workshops e treinamentos conseguiram sair de depressões que os afligiam há vários anos, superar várias fobias, libertar-se de sentimentos irracionais que os consumiam e melhorar radicalmente sua autoconfiança e auto-estima. Também testemunhamos, em várias ocasiões, o desaparecimento de várias dores psicossomáticas, inclusive enxaquecas, e melhoras radicais e duradouras ou até mesmo a cura total de asma psicogênica. Em muitas ocasiões, os participantes de workshops ou treinamentos comparam favoravelmente o progresso obtido em várias sessões holotrópicas a anos de terapia verbal.
Em muitos casos, as sessões de respiração holotrópica levam a uma melhora dramática de condições físicas descritas em manuais médicos como doenças orgânicas. Dentre elas, vimos o término de infecções crônicas (sinusites, faringites, bronquites e cistites) após o desbloqueio bioenergético ter permitido a circulação sangüínea nas áreas correspondentes. Em várias instâncias, a respiração holotrópica levou a melhoras impressionantes de artrites. Em todos esses casos, o fator crítico que conduziu à cura parece ter sido a liberação de bloqueios bioenergéticos excessivos nas partes corporais atingidas, seguida por uma vasodilatação.
Em alguns poucos casos, o potencial de cura da respiração holotrópica foi confirmado por estudos clínicos conduzidos por praticantes que foram treinados por nós e usam esse método de maneira independente em seu próprio trabalho. Também já tivemos, em várias ocasiões, a oportunidade de receber retornos informais anos depois de os sintomas emocionais, psicossomáticos e físicos das pessoas terem melhorado ou desaparecido após sessões holotrópicas em nossos treinamentos ou workshops. Isso tem nos mostrado que as melhoras obtidas através de sessões holotrópicas costumam ser duradouras e antecipa a confirmação futura da eficácia desse interessante método de auto-exploração e cura.


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