USOS NÃO TERAPÊUTICOS DO LSD: A REVOLUÇÃO PSICODÉLICA DA SAÚDE MENTAL


Terapeutas da MAPS
Os terapeutas e formadores da Maps Marcela Ot’alora (à direita) e Bruce Poulter (ao centro) demonstram o protocolo para conduzir uma sessão de terapia com a MDMA. Foto: Bryce Montgomery/Cortesia da Maps

A revolução psicodélica na saúde mental

Em 1986, Rick Doblin lançou a Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos para pesquisar e defender o uso de LSD, cogumelos mágicos e Ecstasy no tratamento de doenças mentais. Depois de três décadas de trabalho árduo, ele parece ter encontrado seu momento agora.

Por Marc Gunther


À medida que a década de 1960 terminava, drogas psicodélicas atemorizavam muitos americanos – pelo menos aqueles que jamais as haviam experimentado. O Congresso aprovou em 1970 o Controlled Substances Act (Lei de Substâncias Controladas), que classificou as mais populares drogas da contracultura – entre elas LSD (ácido lisérgico dietilamida), mescalina, psilocibina e marijuana – como classe 1, aquelas com alto potencial de dependência e nenhum valor médico. O abuso de drogas, pontificou o então presidente Richard Nixon, era o “inimigo público número um”. Foi por volta dessa época que Rick Doblin – um rebelde de 18 anos que havia fumado muita maconha, feito experiências com drogas psicodélicas e se recusado a registrar-se para o alistamento – decidiu abandonar o New College da Flórida, uma escola experimental em Sarasota onde os estudantes tinham a liberdade de escolher suas matérias e receber avaliações por escrito em vez de notas.

– Quero sair da faculdade e estudar LSD – disse Doblin a seus pais. – E quero que vocês paguem por isso.

Surpreendentemente, eles concordaram. O pai, um pediatra cujo herói era o líder comunitário Saul Alinsky, e a mãe, uma professora liberal, tinham sempre encorajado os filhos a pensar por si mesmos. Educado como judeu e com parentes em Israel, o jovem Rick ficara profundamente perturbado pelo Holocausto e com a ameaça de uma guerra nuclear. Além disso, ele se opunha à intervenção dos Estados Unidos no Vietnã. Depois de experimentar drogas, Doblin teve a intuição de que experiências místicas com substâncias psicodélicas poderiam aproximar as pessoas e ajudar a pôr fim a conflitos entre os povos. “Substâncias psicodélicas estiveram no centro de minha vida desde então”, diz.

Isso foi quase meio século atrás. Desde essa época, Doblin jamais vacilou na missão que traçou para si mesmo: usar drogas psicodélicas para curar um mundo quebrado. “Eu não sabia se teria êxito ou não, mas realmente não era importante”, afirma.

Em 1986, ano em que o presidente Ronald Reagan sancionou uma lei que estabeleceu penas mínimas obrigatórias para a posse de drogas, entre elas a marijuana, Doblin lançou a Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps, na sigla em inglês), um grupo de pesquisas e de apoio jurídico que visava promover o uso cuidadoso e benéfico de substâncias psicodélicas e da marijuana. Doblin acabou por conquistar um PhD da Harvard Kennedy School, com uma tese que explorava a regulação das drogas psicodélicas e da marijuana. Constrangido pela política da guerra às drogas, ele decidiu usar a ciência e as evidências como suas ferramentas de mudança: a Maps empreendeu pesquisas destinadas a demonstrar aos reguladores e ao público em geral que remédios psicodélicos podiam de fato aliviar o sofrimento. Em sua trajetória, consumiu uma prodigiosa quantidade dessas drogas, mesmo depois de tornarem-se ilícitas.

Hoje, Doblin e a Maps estão próximos de um avanço – na verdade, de mais de um.

A Maps, que por muito tempo foi pouco mais que Doblin e uma newsletter que ele publicava algumas vezes por ano, tornou-se uma organização com mais de 100 pessoas e que, no ano fiscal de 2020, despendeu US$ 18,6 milhões. O desenvolvimento de drogas é seu mais importante trabalho. Em novembro do mesmo ano, a Maps anunciou novos resultados de seus testes clínicos de longa duração com MDMA, um sintético químico conhecido como Ecstasy ou Molly, que tem grande probabilidade de se tornar o primeiro remédio psicodélico aprovado pelo FDA, a agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos. A psicoterapia, em conjunto com MDMA, provou ser um tratamento efetivo do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) para militares veteranos e vítimas de trauma ou abuso sexual. Se a MDMA for aprovada como medicamento, é bem possível que seja seguida por outras drogas psicodélicas.

Como grupo de apoio jurídico, a Maps também teve progresso impressionante na construção de uma coalizão de pessoas que acreditam no poder das substâncias psicodélicas. Nas eleições de 2020, os eleitores no estado americano de Oregon aprovaram uma medida para descriminalizar a posse de qualquer droga, num forte golpe contra a guerra às drogas. Em outra votação, aprovaram o uso médico e regulado da psilocibina, o ingrediente ativo dos chamados cogumelos mágicos. Em quatro outros estados, entre eles Dakota do Sul, onde o ex-presidente Donald J. Trump venceu amplamente, os votantes aprovaram legalizar o uso recreacional da marijuana. Com isso, adultos em 15 estados hoje podem fumar erva e comer chocolate ou guloseimas com acréscimo de marijuana.

Doblin desconhecia o fato de que droga alguma jamais havia sido transformada em remédio por uma organização não lucrativa. Se soubesse, isso provavelmente não teria importado.

 

Ao mesmo tempo, floresce a pesquisa médica sobre drogas psicodélicas. Um registro governamental lista quase 300 testes clínicos para analisar o efeito de substâncias psicodélicas que estão completos, em andamento ou prestes a começar. Muitos são feitos nas escolas de medicina de universidades de prestígio como New York University, University of California, Yale University e Johns Hopkins University, cujo Centro para Pesquisas de Drogas Psicodélicas e Consciência proclama-se a instituição de ponta em pesquisa de substâncias psicodélicas nos Estados Unidos.

Os defensores das drogas psicodélicas sustentam que elas podem transformar a saúde mental. Indicações iniciais sugerem que, aliados à psicoterapia, os psicodélicos podem de fato tratar um amplo leque de doenças, entre as quais depressão, ansiedade e dependência de álcool e de tabaco. Estudos futuros buscarão verificar sua eficácia no tratamento de opioides, anorexia nervosa e até a doença de Alzheimer.

Doblin e a Maps não avançaram sozinhos. A Drug Policy Alliance (Aliança de Política de Drogas), fundada por George Soros, liderou a luta política contra a guerra às drogas. O Heffter Research Institute, uma organização sem fins lucrativos fundada pelo farmacologista David Nichols, da Purdue University, organizou e financiou pesquisas sobre substâncias psicodélicas, particularmente a psilocibina. Uma eclética mescla de doadores – ex-hippies, milionários do Silicon Valley, descendentes de John D. Rockefeller, conservadores, liberais e libertários – estabeleceu pontes entre divisões políticas e culturais para apoiar a Maps. Mais recentemente, startups farmacêuticas juntaram-se a eles, na expectativa de explorar comercialmente as drogas.

Doblin esteve no centro disso tudo, ou perto dele. “Rick foi o real instigador”, diz Tom Shroder, autor de Acid Test: LSD, Ecstasy, and the Power to Heal (Teste de ácido: LSD, Ecstasy e o poder de curar, ainda sem tradução para o português), um livro sobre psicodélicos com base na história de Doblin. “Ele tinha essa visão – essa certeza – de que as substâncias psicodélicas eram demasiado importantes para permanece na clandestinidade. Ele é a razão de tudo isso que está acontecendo.”

 

Paranoia e criminalização

 

Psicodélicos não são novos, é claro. Alguns acadêmicos sustentam que alucinógenos à base de plantas impulsionaram experiências sobrenaturais descritas em antigos textos religiosos. A ayahuasca, uma mistura feita de uma planta contendo DMT (dimetiltriptamina, também chamada a “molécula do espírito”), há muito é usada em rituais religiosos por povos indígenas da região amazônica, enquanto pessoas do norte do México e do sudoeste dos Estados Unidos usavam (e ainda usam) um composto derivado do peiote como parte de cerimônias religiosas. Nos anos 1950 e 1960, mais de 40 mil pacientes receberam o LSD, uma substância química sintética, e a psilocibina, princípio ativo dos cogumelos mágicos, então legais nos Estados Unidos, segundo a Administração de Combate às Drogas (DEA, na sigla em inglês), e mais de mil artigos científicos foram analisados. Em um prenúncio dos atuais estudos sobre psicodélicos e adicção, Bill Wilson, um cofundador dos Alcoólicos Anônimos, experimentou LSD e tentou, sem sucesso, levar a droga para o programa.

Toda essa pesquisa parou como um carro chocando-se contra um muro no final da década de 1960. Alguns cientistas responsabilizam Timothy Leary, o professor de psicologia de Harvard que se tornou um herói da contracultura. Ele exagerou os benefícios e minimizou os riscos das substâncias psicodélicas, estimulando seus seguidores a “se ligar, se sintonizar e cair fora do sistema”. Com o auxílio de uma mídia crédula, o governo fez exatamente o oposto, difundindo lendas de bad trips e de usuários de LSD que ficaram cegos de tanto fitar o sol. Doblin rejeitou as táticas de medo, particularmente depois de ter começado a usar LSD e mescalina. Sim, havia viagens ruins, até mesmo aterrorizantes, mas ele sabia que, quando usadas com suficiente cautela, as drogas podiam transformar vidas.

“A narrativa comum é que a violenta reação dos anos 1960 ocorreu porque as substâncias psicodélicas iam mal”, diz Doblin. “O que compreendi foi que a repressão ocorreu pelo fato de as substâncias psicodélicas irem bem. Drogas psicodélicas eram parte da contracultura, com os protestos contra a Guerra do Vietnã, o movimento ambientalista, o movimento pelos direitos das mulheres. As substâncias psicodélicas estavam motivando as pessoas a desafiar o status quo.”

Doblin estava dentro de tudo isso. De volta a Sarasota, encontrou emprego como empreiteiro e gastou a herança que recebera do avô para construir uma casa (que ele ainda possui) antes de retornar ao New College. Esperando tornar-se terapeuta, participou de workshops no Esalen Institute, um retiro New Age nas colinas com vista para Big Sur, na Califórnia. Ali estudou com Stanislav Grof, renomado psicoterapeuta checo que dera drogas psicodélicas a seus pacientes. Em 1982, durante um workshop intitulado “The Mystical Quest” nesse local, Doblin deparou-se com a MDMA – a droga que se tornaria seu foco.

Oficialmente conhecida como 3,4-metilenodioxi metanfetamina, a MDMA tem uma história peculiar. Descoberta e patenteada em 1912 pela Merck, que não viu valor nela, caiu na obscuridade para voltar brevemente à superfície na década de 1950, quando a CIA, Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos, pesquisou substâncias psicodélicas para uso como armas químicas. Em 1976 foi novamente sintetizada por Alexander “Sasha” Shulgin, um químico brilhante e excêntrico que desenvolveu centenas de drogas psicoativas em seu laboratório doméstico nas colinas de Berkeley, Califórnia.

Shulgin amou a MDMA. “Sinto-me absolutamente limpo por dentro, e não há senão pura euforia”, ele escreveu em suas notas de laboratório após tomar a droga. “Jamais me senti tão bem, ou acreditei que isso fosse possível. A limpeza, a clareza e a maravilhosa sensação de sólida força interior continuaram pelo resto do dia e pela noite. Estou comovido pela profundidade da experiência.”

O psicoterapeuta Leo Zeff foi igualmente conquistado quando Shulgin lhe deu MDMA. Segundo suas estimativas, depois de adiar sua aposentadoria, Zeff treinou discretamente mais de 150 terapeutas no uso da droga, rebatizada de Adam, um anagrama que evocava a inocência do Jardim do Éden. Ele insistia que qualquer terapeuta que pretendesse fazer uso da droga deveria experimentá-la primeiro.

A MDMA não é uma substância psicodélica clássica. À diferença do LSD ou da psilocibina, é improvável que provoque alucinações, percepções alteradas ou perda de controle; em vez disso, tende a gerar sensações de abertura, bem-estar e compaixão.

Julie Holland, psicofarmacologista, psiquiatra e autora do livro Ecstasy: The Complete Guide (Ecstasy: o guia completo), afirma: “A MDMA é apenas uma substância química delicadamente perfeita para intensificar o processo de psicoterapia. […] A MDMA ajuda as pessoas a se sentirem mais abertas e confiantes no terapeuta […] a ficarem despertas, alertas, verbais, querendo conversar, querendo explorar”.

Doblin enxergou isso em primeira mão. Em uma TED Talk, contou como deu MDMA e LSD à namorada de um amigo da faculdade, para ajudá-la a se recuperar de uma horrível agressão sexual. (isso foi em 1984, quando a droga era legal.) Ele declarou ter tomado MDMA mais de 120 vezes.

A MDMA era sedutora demais para permanecer clandestina. No início dos anos 1980, Michael Clegg, um ex-padre católico, rebatizou-a como Ecstasy e começou a produzir e a vender a droga em larga escala. Podia ser encontrada em casas noturnas de elite, do Studio 54 em Manhattan ao Starck Club de Dallas. A popularidade do Ecstasy cresceu até mesmo quando a primeira-dama Nancy Reagan estimulava as pessoas com o lema “simplesmente diga não” às drogas e um programa educativo de resistência ao uso de drogas se espalhava pelas escolas, de modo que não houve surpresa quando as autoridades o reprimiram. Em 1985, a DEA adotou uma ação de emergência para banir a MDMA e disse pretender classificá-la permanentemente como droga da Classe 1.

Doblin reagiu, com o orgulho desmedido de um homem de 31 anos que ainda precisava terminar a faculdade. Levantou diversos recursos, entre os quais com a viúva de Aldous Huxley, cujo livro de 1954, As portas da percepção, ajudou a popularizar as substâncias psicodélicas. Além disso, reuniu cartas de terapeutas atestando os benefícios da MDMA. Doblin contratou um advogado pro bono e processou a DEA. (A New College deu-lhe créditos escolares por trabalhar no processo.) Antes de o banimento acontecer, Doblin encomendou 1 quilo de MDMA por US$ 4 mil a David Nichols, o farmacologista da Purdue que tinha uma licença da DEA para produzir drogas da Classe 1. Revelou-se o suficiente para décadas de pesquisas sobre a MDMA. “Ele teve visão ao colocar todos os ovos naquela cesta”, declarou Nichols.

A DEA realizou audiências e reuniu milhares de páginas de evidências. Em uma sentença de 71 páginas, um juiz decidiu contra a agência, considerando que a droga tinha usos médicos reconhecidos e um baixo potencial de adicção. Mas a sentença tinha caráter consultivo e foi ignorada.

“Lutamos ao longo de todo o processo e ganhamos o caso”, diz Doblin, “e, no final, perdemos. Foi de partir o coração.” A criminalização barrou o uso terapêutico da MDMA, mas teve pouco efeito em seu uso recreacional. A MDMA, não raro adulterada com outras drogas, tornou-se popular em festivais e em raves.

Apesar de desencorajado, Doblin não desistiu. Foi uma sorte porque essa derrota foi a primeira de muitas. Com pouco mais que a droga comprada de Nichols e a pesquisa com terapeutas sobre MDMA, Doblin deu o passo inicial para que a Maps viesse a fazer da MDMA um remédio legalizado. “O único caminho para a frente passa pela FDA”, declarou.

Na ocasião, Doblin desconhecia o fato de que droga alguma jamais havia sido transformada em remédio por uma organização não lucrativa. Se soubesse, isso provavelmente não teria importado.

 

O direito de mudar sua consciência

 

A Maps lutou durante anos para fazer jus a seu nome – Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos. Começou não como uma associação, mas como uma iniciativa solitária. Doblin, o único membro da equipe, não recebeu salário durante sete anos; na verdade, emprestou dinheiro à Maps para pagar despesas operacionais. “A captação de recursos era realmente difícil”, ele declarou.

Quanto aos estudos de substâncias psicodélicas, enquanto alguns cientistas davam MDMA para macacos, camundongos, ratos e outras cobaias, o governo dos Estados Unidos tornou praticamente impossível conduzir experimentos com pessoas. As décadas de 1980 e 1990 foram tempos sombrios para os psicodélicos; quaisquer vislumbres de esperança eram cobertos pelo Maps Bulletin, lançado três vezes ao ano enquanto Doblin trabalhava em seu PhD na Harvard Kennedy School. A publicação tornou-se leitura obrigatória para aqueles que seguiam os debates científicos, políticos e culturais em torno de substâncias psicodélicas.

 A edição do verão de 1992 do Maps Bulletin trouxe um desses vislumbres. “Uma nova era na pesquisa psicodélica está raiando”, declarou Doblin. A FDA acabara de dar permissão a Charles Grob, um psiquiatra da University of California, Los Angeles, que estava trabalhando com a Maps, para iniciar um estudo de terapia assistida por MDMA para tratar dores e desconforto em pacientes com câncer pancreático em estágio avançado. Doblin ficou tão emocionado – era uma “oportunidade histórica”, escreveu – que se licenciou de seus estudos de PhD para concentrar-se por completo na Maps.

Sua confiança foi equivocada. Grob completou um estudo de segurança da MDMA em voluntários saudáveis, mas a FDA por duas vezes não permitiu o uso da droga em pacientes com câncer. Surgiram questões sobre a neurotoxicidade da MDMA. Grob decidiu, em vez disso, realizar testes com psilocibina, com apoio do recém-formado Heffter Research Institute, que havia emergido como um amistoso rival da Maps – mas de qualquer modo um rival.

Os fundadores da Heffner posicionavam-se como cientistas em jalecos brancos. Queriam distanciar-se de Timothy Leary e de outros pesquisadores psicodélicos dos anos 1950 e 1960 cujo trabalho era visto como desleixado, ao menos pelos padrões atuais. “Éramos na maioria acadêmicos”, diz David Nichols, um fundador da Heffter. “Nosso paradigma era encorajar e apoiar pesquisa científica da mais alta qualidade, feita em instituições de ponta.”

Alguns no Heffter queriam distância de Doblin, de suas raízes antiestablishment e de sua oposição à guerra às drogas. Esperando manter a conversa a respeito de substâncias psicodélicos inteiramente separada do debate sobre drogas nocivas como heroína e cocaína, desaprovaram veementemente Doblin por se aliar à Drug Policy Alliance, por exemplo. “Não advogamos coisa alguma”, declarou Nichols.

Carey Turnbull, um empresário que fez fortuna no mercado de energia, foi um importante doador para o Heffter e agora é seu presidente. Ele admira o trabalho de Doblin e fez doações à Maps, mas doou mais fundos para pesquisa na New York University, Johns Hopkins e Yale. “Minha inclinação foi ir a uma importante universidade e me encontrar com psiquiatras de terno e gravata”, declarou.

Doblin usa gravata ocasionalmente, mas é visto com maior frequência com uma camisa aberta, com o cabelo revolto envolvendo uma área calva. Ele aceita de forma descontraída a acusação de que a Maps faz tanto política como ciência. “Nossa estratégia é dupla”, diz ele. “Queremos fazer remédios oriundos de drogas, mas também estamos muito interessados na reforma da política de drogas.” Em parte, é uma questão de princípio. “É um direito humano fundamental mudar sua consciência”, gosta de dizer. Mas também existem razões estratégicas para casar a pesquisa farmacêutica com o ativismo político.

Trabalho jurídico e trabalho político são por vezes requeridos para impulsionar desenvolvimentos. A Maps, por exemplo, fez lobby junto à FDA para permitir que um doutor na University of California, em San Francisco, estudasse o uso de marijuana para tratar pacientes de aids, na esperança de demonstrar por meio da ciência os benefícios médicos da droga. A Maps também conduziu um trabalho jurídico bem-sucedido para terminar com o monopólio no plantio de marijuana para pesquisa que estivera nas mãos do National Institute on Drugs Abuse (Instituto Nacional sobre Uso de Drogas), que contratava um único laboratório na University of Mississippi desde 1968. A Maps queria mudar a narrativa cultural sobre drogas – antes marijuana, agora substâncias psicodélicas – demonstrando que tinham valor terapêutico. “A legalização segue a medicalização”, diz Doblin.

 

O modelo da Maps manterá os interesses comerciais sob controle ao tornar seu tratamento amplamente disponível a um custo razoável.

 

O trabalho político também traz benefícios na captação de recursos. Doadores mais conservadores podem ter recuado diante da abordagem de Doblin, mas veteranos da contracultura reconheceram um companheiro de viagem. “Usei psicodélicos para recreação e crescimento pessoal”, diz John Gilmore, cofundador da Electronic Frontier Foundation, que defende liberdades civis na internet. “Sabia que toda a guerra às drogas e a perseguição a essas drogas não tinham base na realidade.” Gilmore, que foi um dos primeiros empregados da Sun Microsystems, destinou US$ 10 milhões à reforma da política de drogas e atualmente preside o Conselho da Maps. Ele estima que mais de 90% do dinheiro obtido pela entidade vem de psiconautas, termo usado para descrever os que usaram psicodélicos para explorar suas mentes.

Enquadrar o acesso a drogas psicodélicas e à marijuana como uma questão de direitos humanos agradou à Libra Foundation, projeto familiar de filantropia estabelecido por Nicholas e Susan Pritzker, que tinha foco nos direitos humanos. A Libra deu mais de US$ 1,3 milhão à Maps na década de 2010, como parte de seu apoio à reforma da justiça criminal. Na ocasião, a Maps estava – finalmente – fazendo progressos junto à FDA.

Um casamento ideal

 

Michael Mithoefer conheceu Rick Doblin em uma conferência sobre ayahuasca em San Francisco em 2000. Foi um momento decisivo para ambos e para a Maps. Juntos, começaram o trabalho que permanece sendo o foco da organização: fazer da MDMA um remédio aprovado pela FDA.

Os dois eram almas gêmeas. Mithoefer havia experimentado LSD e ayahuasca e estudara respiração holotrópica – uma técnica que usa respiração rápida para alcançar estados alterados de consciência – com seu inventor, Stanislav Grof, mentor de Doblin. Mithoefer, que começara sua carreira na medicina como emergencista em pronto-socorro, passou para a psiquiatria porque desejava explorar o potencial de cura das substâncias psicodélicas. Ele tinha especial interesse no TEPT.

Se a meta era conquistar apoio para remédios psicodélicos por parte de regulamentadores, doadores e do público, a MDMA e o TEPT formavam um casamento ideal de droga e transtorno.

“Rapidamente concordamos que a MDMA tinha qualidades particulares que poderiam torná-la boa para o TEPT”, lembra Mithoefer. A MDMA melhora o estado de espírito e constrói confiança entre o paciente e o terapeuta, ajudando aquele a revisitar memórias traumáticas e a trabalhá-las. “É como recriar um ambiente de apoio dos pais”, observou Doblin. Em poucas palavras, a dimensão científica parecia auspiciosa.

A dimensão política também. MDMA é a mais suave das drogas psicodélicas e a de menor probabilidade de produzir viagens ruins. Terapeutas receosos em relação ao LSD ou à psilocibina poderiam ser persuadidos a trabalhar com a MDMA, pensou Doblin. E mais, ainda que a MDMA fosse controvertida devido a seu amplamente difundido uso recreacional como Ecstasy, a droga fora analisada em mais de 1.200 estudos revisados por pares, a maioria realizada por pesquisadores que procuravam documentar seus malefícios. Debatia-se quanto aos danos que a MDMA poderia ocasionar em usuários pesados ou pessoas em festas que se esgotavam enquanto estavam sob o efeito do Ecstasy, mas havia pouca evidência de que ela era nociva quando usada com parcimônia em ambientes clínicos.

Enquanto isso, a conscientização sobre o TEPT estava aumentando. O sofrimento induzido em soldados pelo trauma havia muito era reconhecido como um problema – chamavam-no de “shell shock” (choque de bombardeio) durante a Primeira Guerra Mundial – mas a condição só apareceu no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o DSM, publicado pela Associação Americana de Psiquiatria, em 1980. O sofrimento dos veteranos do Vietnã chamou a atenção para o problema nos anos 1970, mais ou menos na mesma época em que o trauma causado por estupro ou agressão sexual em mulheres passou a ser compreendido como uma forma de TEPT.

Seja como for, Doblin e Mithoefer lutaram muito para fazer decolar os testes clínicos da Fase 2, depois de Charles Grob ter cuidado dos da Fase 1, com foco na segurança. Na Fase 2, os testes buscaram definir um protocolo de tratamento, determinar a dose ótima, identificar a população de pacientes e avaliar o efeito da droga. Eles lançaram os fundamentos para a Fase 3, cujos testes avaliam os efeitos da droga e a segurança, comparando-os com um tratamento corrente ou um placebo.

 Dessa vez, a FDA não foi um problema: a agência prontamente aprovou o protocolo da Maps. Isso decorreu em parte dos anos em que Doblin cultivou relacionamentos com os regulamentadores, bem como de seu conhecimento da maneira pela qual o sistema funcionava. Sua tese de doutorado, apresentada em 2000, era sobre regulação do uso médico de substâncias psicodélicas e de marijuana.

Mas o plano de Mithoefer de realizar os testes na Medical University of South Carolina, onde ele ensinava, fracassou quando eles atraíram publicidade. Ele ficou pesaroso, declarou na ocasião, “em ver o grau em que a liberdade acadêmica em uma universidade pode ser restringida pelo preconceito e pela pressão política”. Os testes foram deslocados para seu consultório particular.

Sem acesso à universidade ou ao seu Institutional Review Board (IRB, Conselho Institucional de Revisão), Doblin e Mithoefer buscaram um conselho independente para aprovar os testes, como exigido pela FDA. (Os IRBs revisam pesquisas médicas envolvendo participantes humanos para garantir que os direitos e o bem-estar destes sejam protegidos.) Nada menos que sete IRBs se recusaram. Doblin voltou-se para uma empresa privada de IRB, o Copernicus Group, na esperança de que, dado o seu nome, ela apoiaria uma empreitada científica que enfrentava forte oposição política. O Copernicus de fato aprovou, mas não antes de estipular que não queria seu nome no website da Maps ou em quaisquer outros materiais.

Não ajudou o caso deles o fato de George Ricaurte, um neurologista e proeminente expert em MDMA, que era financiado pelo National Institute on Drug Abuse (Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas), ter publicado um estudo na Science em 2002 alegando que uma única dose de MDMA podia causar dano cerebral permanente. O estudo foi questionado por Doblin, entre outros, e retirado depois que se determinou que Ricaurte havia provocado uma overdose em macacos com metanfetamina, não Ecstasy. Diz Doblin: “Havia uma perversão da ciência a serviço da guerra às drogas”.

O último obstáculo remanescente era a DEA. A agência levou meses para decidir se Mithoefer conservaria adequadamente uma pequena quantidade de MDMA guardada em seu consultório. (Valia menos de US$ 100 nas ruas.) Um funcionário da DEA disse-lhe que haviam planejado fazer uma verificação de antecedentes de uma terapeuta que alugava um consultório vizinho, para “ter certeza de que ela não vai furar a parede ou algo assim”, Mithoefer escreveu em suas notas na época. Quando ele lhe disse que devia esperar uma investigação da DEA, a terapeuta respondeu: “Diga-lhes que não sou muito boa com ferramentas”.

Finalmente, em 16 de abril de 2004, Mithoefer e sua esposa, Annie, uma enfermeira, deram uma dose de MDMA – ou, talvez, um placebo – a seu primeiro paciente. Começou assim o primeiro dos seis testes randomizados, duplo-cego, da Fase 2 da terapia auxiliada pela MDMA, que com o tempo se expandiria para outros locais nos Estados Unidos, Canadá, Suíça e Israel. Os Mithoefer continuaram a refinar o protocolo de tratamento, publicando sete versões de um manual que chegou a 69 páginas e cobria tudo, do ambiente (calmo, privado, confortável, com o paciente sentado ou deitado em um sofá) à música (usualmente instrumental, por vezes calma e tranquila, por vezes mais dramática) até o papel do terapeuta como um ouvinte cheio de empatia.

A Maps terminou por estabelecer um protocolo de três meses e meio que inclui três sessões de dia inteiro, durante as quais o paciente toma MDMA. Três sessões de 90 minutos de psicoterapia precedem a primeira experiência com a droga, e três sessões se seguem a cada contato com a substância.

Dois terapeutas, normalmente um homem e uma mulher, cuidam do tratamento. Dois são indicados por motivos de ordem prática – alguém precisa estar com o paciente o tempo todo durante os longos dias sob o efeito da MDMA – e também porque alguns reagem melhor à presença de um homem, outros à de uma mulher. Os terapeutas são encorajados a experimentar a MDMA, e a maioria o faz.

“Acreditamos que o terapeuta será mais efetivo se ele próprio tiver usado a droga”, explica Doblin. “Você não vai a um professor de ioga que jamais praticou ioga.” (Verdade, mas uma analogia pobre; muitos obstetras e ginecologistas perfeitamente capazes jamais tiveram filhos.)

Precisamente como a MDMA afeta o cérebro é algo ainda pouco claro. Os cientistas dizem que a substância intensifica a liberação de neurotransmissores, entre eles a serotonina e a dopamina, e hormônios, incluindo a oxitocina e o cortisol, que podem reduzir a atividade em regiões do cérebro como a amígdala e a ínsula, implicadas na expressão de comportamentos relacionados ao medo e à ansiedade. A MDMA pode contribuir para o reprocessamento de memórias traumáticas e para o engajamento emocional com processos terapêuticos.

De todo modo, todos concordam que o importante é a terapia, não a droga. “A MDMA jamais vai ser um remédio de uso doméstico”, diz Doblin. “Ela ajuda a terapia a se tornar mais efetiva.” Os testes da Fase 2 destinavam-se, em parte, a verificar se a terapia com um placebo funcionava tão bem quanto a terapia com MDMA: não funcionou.

Em um estudo de 2019 publicado na Psychopharmacology, Mithoefer, Doblin e alguns colegas relataram que 54% dos participantes que passaram por terapia com MDMA – mais de duas vezes o número do grupo de controle – não se encaixavam mais no diagnóstico de TEPT dois meses depois de sua dose final de MDMA. Melhor ainda, as pessoas continuaram a evoluir por si mesmas. Um ano depois, para dois terços delas o diagnóstico de TEPT não se aplicava.

A FDA estava convencida de que, para dizer o mínimo, o tratamento tinha potencial. A agência deu permissão à Maps para conduzir os testes da Fase 3 – os primeiros já realizados para uma droga psicodélica. Também garantiu o que chamava de Designação de Terapia de Ruptura para a terapia auxiliada pela MDMA para o TEPT. A agência reserva essa designação para tratamentos de condições severas que parecem oferecer melhorias substanciais em relação a terapias existentes; a maioria das drogas designadas como de ruptura ganha mais adiante aprovação como medicamento. Finalmente, a Maps e a FDA concordaram em pontos de referência para os testes da Fase 3 que, se atendidos, apoiariam a aprovação regulatória pela FDA.

David Nutt, neuropsicofarmacologista no Imperial College London e fundador da organização não lucrativa Drug Science, declarou à revista Science: “Esse não é um grande passo científico. Há 40 anos sabemos que essas drogas são medicamentos. Mas é um grande passo no que se refere à aceitação”.

 

Renascimento terapêutico

Enquanto a Maps desenvolve suas pesquisas com a MDMA, outros cientistas vêm aprendendo mais sobre psicodélicos clássicos. Em estudos na Johns Hopkins e na NYU, a terapia auxiliada com psilocibina mostrou-se promissora para o tratamento da ansiedade e da depressão relacionadas ao câncer, da dependência a tabaco e álcool e da depressão resistente a tratamentos. A euforia quanto a remédios psicodélicos está crescendo, em parte porque é pouco usual que um único medicamento trate tantos males.

“A terapia psicodélica parece ser muito potente para inúmeras condições diferentes”, diz William A. “Bill” Richards, um veterano pesquisador psicodélico atualmente ligado à Johns Hopkins. “Não depende de nossa nomenclatura do DSM. Fala aos seres humanos de seus próprios recursos interiores. Ajuda-nos a despertar e a ficar vivos quando usada com inteligência e habilidade.”

Diferentemente de muitas drogas psiquiátricas, tomadas por meses ou anos, os medicamentos psicodélicos são ingeridos não mais que um punhado de vezes, sempre acompanhados pela psicoterapia. Trata-se de um modelo pioneiro de tratamento, no qual o efeito biológico dos medicamentos estimula novos insights e proporciona mudanças comportamentais. Matthew Johnson, outro pesquisador da Johns Hopkins, a chama de “uma mudança de paradigma no tratamento psiquiátrico”.

A natureza inovadora dessa pesquisa, somada ao estigma associado aos psicodélicos, ajuda a explicar por que está levando tanto tempo para obter a aprovação regulatória. Em 2001, Doblin estimava que seriam necessários cinco anos e US$ 5 milhões para fazer da MDMA um remédio. Vinte anos e cerca de US$ 75 milhões depois, ele ainda não chegou lá. “Sou constitucionalmente inclinado ao otimismo”, diz ele.

Mas o fim está à vista. O primeiro conjunto de testes da Fase 3 confirmou os resultados favoráveis da Fase 2, bem como uma análise independente realizada nesse ínterim, que determinou haver uma probabilidade de 90% ou mais de os testes, quando completados, detectarem resultados estatisticamente relevantes. A Maps está tão confiante na eficácia do tratamento que iniciou um segundo e final conjunto de testes da Fase 3 em 11 locais nos Estados Unidos, dois no Canadá e um em Israel, envolvendo cerca de 100 participantes. Se tudo correr bem, a FDA vai aprovar a MDMA como medicamento durante a primeira metade de 2023. O mais importante foi que a Maps desbravou um caminho através do que era território virgem para a FDA.

Os testes estão sendo realizados pela Maps Public Benefit Corporation (Corporação de Benefício Público da Maps), uma subsidiária para fins lucrativos, de propriedade total da Maps, que será responsável pela implementação comercial da psicoterapia auxiliada pela MDMA. Amy Emerson, ex-executiva da companhia farmacêutica Novartis, é a principal executiva da corporação de utilidade pública. Seu alvará, obtido em Delaware, estipula que a companhia opere de modo a servir o interesse público, o que significa, entre outras coisas, que eventuais lucros retornarão à Maps para financiar pesquisas e atividades de defesa jurídica.

Descartando-se contratempos inesperados, a comercialização será o próximo empreendimento importante para a Maps. A organização terá de treinar centenas de terapeutas ou licenciar outros para fornecer o treinamento. Muitas questões acerca de como isso vai funcionar permanecem sem resposta. A FDA e a Maps estão barganhando, por exemplo, sobre quais qualificações serão requeridas dos terapeutas. Os estados podem aplicar suas próprias leis de licenciamento; eles poderiam exigir, por exemplo, que um médico esteja presente quando a droga for administrada. Também está sem resposta a questão crítica de saber se as seguradoras privadas ou o governo, por meio de programas como Medicaid e Medicare, ou a Administração de Veteranos, pagarão por um tratamento de custo estimado em cerca de US$ 15 mil, dependendo dos preços cobrados pelos terapeutas. Citando um estudo publicado no periódico PLOS One, a Maps argumenta que a sua terapia assistida com MDMA para TEPT severo na verdade economizará dinheiro quando comparada a tratamentos mais convencionais.

Enquanto a Maps se aproximava da meta de fazer da MDMA um medicamento, sua base de captação de recursos se expandia além dos psiconautas, para incluir proeminentes doadores do Vale do Silício e de Wall Street ligados a questões de saúde mental, particularmente o TEPT. A perspectiva de ajudar veteranos foi bem-vista pela Steven & Alexandra Cohen Foundation, liderada pelo fundador de um fundo hedge bilionário e sua mulher, que deram US$ 5 milhões à Maps (o filho dos Cohen, Robert, um fuzileiro naval dos EUA, serviu no Afeganistão); ou Rebekah Mercer, uma doadora para causas conservadoras cuja fundação familiar doou US$ 1 milhão. Bob Parsons, fundador da GoDaddy e da fabricante de equipamentos de golfe PXG, é um veterano do Corpo de Fuzileiros Navais que lutou contra o TEPT; ele e a esposa, Renee Parsons, presidente da PXG Apparel, doaram US$ 2 milhões à Maps por meio de sua fundação familiar. Os administradores de fundos hedge Alan Fournier e John Griffin doaram US$ 1 milhão cada um em memória de seus pais, que lutaram na Segunda Guerra Mundial.

Outros doadores importantes dizem que o uso de substâncias psicodélicas mudou sua vida. Com sua postura progressista e seu rabo de cavalo, David Bronner, CEO da empresa familiar Dr. Bronner’s, fabricante de sabonetes e outros produtos de higiene pessoal, permanece como o maior doador individual da Maps, tendo contribuído com US$ 5 milhões. O autor, podcaster e investidor Tim Ferriss, que lutou contra uma depressão e encontrou alívio com drogas psicodélicas, é outro importante propagador da causa, tendo dado US$ 1 milhão de seu próprio dinheiro e ajudado a conduzir no ano passado uma campanha de US$ 30 milhões que financiará o resto das atividades da Fase 3 nos Estados Unidos. Outra campanha de US$ 30 milhões está em andamento para pagar pela pesquisa da Fase 3 na Europa, que, se bem-sucedida, deve tornar a MDMA um medicamento disponível na maior parte do mundo.

À medida que mais pessoas aprendem sobre o potencial terapêutico dos psicodélicos, drogas antes demonizadas como ameaças para os adolescentes da América são vistas agora como instrumentos de cura. Veículos do establishment como The New York Times, 60 Minutes e CNN prestam respeitosa atenção aos cientistas das universidades que estudam as drogas. “Superamos o fantasma de Timothy Leary”, disse Doblin. Um sinal da reviravolta: a Medical University of South Carolina, que antes menosprezou Michael Mithoefer, pediu-lhe para ajudar a estabelecer um centro de medicina psicodélica.

Graham Boyd, advogado e fundador da New Approach PAC (Nova Abordagem – Comitê de Ação Política), que financiou o item da eleição do Oregon para legalizar o tratamento com psilocibina, rastreou mudanças de atitudes em relação às drogas. “De forma semelhante, a Maps e Michael Pollan contribuíram para uma atmosfera de curiosidade pública e receptividade em torno dos psicodélicos”, declarou. O artigo de Pollan em 2015 para a New Yorker “The Trip Treatment” (O Tratamento da Viagem) e o bestseller de 2018 Como mudar sua mente: o que a nova ciência dos psicodélicos pode nos ensinar sobre consciência, morte, vício, depressão e transcendência transformaram o discurso público sobre o assunto. Mas Doblin provavelmente alcançou mais pessoas por meio de podcasts populares como The Joe Rogan Experience e The Tim Ferriss Show e com sua TED Talk, que tem 2,8 milhões de visualizações.

Os investidores perceberam. Nos últimos anos, dinheiro foi despejado em empresas que esperam capitalizar o potencial dos psicodélicos. Seus apoiadores dizem que a empreitada de trazer medicamentos psicodélicos para o mercado é demasiado custosa e complexa para organizações não lucrativas. “Quando há uma falha de mercado, você precisa de filantropia. Quando se vê promessa, você precisa de um modelo diferente”, diz George Goldsmith, cofundador da Compass Pathways, uma startup psicodélica. “É por isso que empresas farmacêuticas existem.” A Compass Pathways, que está pesquisando a terapia com psilocibina para depressão, levantou US$ 147 milhões no ano passado, quando vendeu ações para o público. Um website intitulado Psychedelic Finance rastreia as ações de uma dúzia de companhias de capital aberto e de igual número de startups privadas que buscam fazer dinheiro a partir das drogas. Algumas se aproximaram da Maps. “Temos descartado investidores à direita e à esquerda”, declarou Doblin. A razão, explica, é que o modelo da Maps – uma companhia com fins lucrativos pertencente a uma organização não lucrativa – vai conservar os interesses dos negócios sob controle, ao tornar seu tratamento amplamente disponível a preço razoável. A Maps pretende fazer dinheiro ao vender a MDMA por pelo menos cinco anos, antes que os fabricantes de genéricos possam se juntar a ela, mas não tem desejo de monopolizar o mercado. “A escala de sofrimento é tão grande que precisamos que todos se envolvam”, diz Doblin. “Queremos que a companhia com fins lucrativos tenha êxito.”

No último Maps Bulletin, Doblin adota um tom entusiástico: “Estamos agora em pleno processo de renascimento da pesquisa psicodélica, do florescer das companhias com fins lucrativos e não lucrativos, e dos esforços bem-sucedidos de reforma da política de drogas psicodélicas”.

Isso dito, há muito trabalho pela frente. O objetivo último de Doblin continua a ser a saúde mental em massa. Não está claro como isso vai acontecer, mas ele fala sobre um futuro que inclui uma rede global de clínicas psicodélicas, nas quais, com orientação, adultos buscando crescimento pessoal ou espiritual poderiam ter acesso a psicodélicos. Ele visualiza um mundo pós-proibição de “legalização licenciada”, no qual os adultos precisariam estudar e passar por um teste para obter permissão para experimentar drogas, exatamente como hoje precisam ser testados para tirar uma carteira de motorista. Ele estima que as substâncias psicodélicas poderiam estar ampla e legalmente disponíveis por volta de 2035.

 

O AUTOR

Marc Gunther (@marcgunther) é um jornalista veterano que escreve sobre fundações e organizações sem fins lucrativos.

Usos Não Terapêuticos do LSD – Stanislav Grof


traduzido do original de Stanislav Grof, M.D.
Capítulo 8, Psicoterapia do LSD, ©1980, 1994 by Stanislav Grof

Sessões de treinamento de profissionais da saúde mental

O extraordinário valor do LSD para a educação dos psiquiatras e psicólogos se tornou evidente nos primeiros estagios iniciais de sua pesquisa. Em seu trabalho pioneiro, publicado em 1947, Stoll enfatizou que um autoexperimento com estas substâncias oferece aos profissionais uma oportunidade única de experimentar em primeira mão os mundos alienígenas que se deparam no seu trabalho diário com pacientes psiquiátricos. Durante a fase de “modelo de psicose” da pesquisa do LSD, quando o estado psicodélico foi considerado uma esquizofrenia induzida quimicamente, sessões de LSD foram recomendadas como viagens reversíveis para o mundo experiencial de psicóticos que tiveram um significado didático único. A experiência era recomendada para psiquiatras, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais e estudantes de medicina como um meio de aquisição de insights sobre a natureza da doença mental. Rinkel (85), Roubicek (90) e outros pesquisadores que conduziram experimentos didáticos deste tipo informaram que uma única sessão de LSD pode mudar radicalmente o entendimento de que os profissionais de saúde mental têm de pacientes psicóticos, e resultar em uma atitude mais humana em relação a eles.
O fato do conceito de “modelo de psicose” advindo do estado alterado por LSD ter sido finalmente rejeitado pela maioria dos pesquisadores não diminuiu o valor educativo da experiência psicodélica. Embora as mudanças mentais induzidos pelo LSD não são, obviamente, idênticas a esquizofrenia, a ingestão da droga ainda representa uma oportunidade muito especial para os profissionais e estudantes vivenciarem muitos estados mentais que ocorrem naturalmente no contexto de várias perturbações mentais. Estes envolvem distorções perceptivas nas áreas óptica, acústica, tátil, olfativa e gustativa; distúrbios quantitativos e qualitativos dos processos de pensamento; e qualidades emocionais anormais de extraordinária intensidade.
Voluntário de experimento com LSD - "Schizophrenia Psychosis Induced by LSD25" 1955, financiado pela CIA
Voluntário de experimento com LSD – “Schizophrenia Psychosis Induced by LSD25″ 1955, financiado pela CIA
Sob a influência do LSD é possível experimentar ilusões sensoriais e pseudo alucinações, retardo ou aceleração do pensamento, interpretação delirante do mundo, e toda uma gama de intensas emoções patológicas, como depressão maníaca, a agressão, o desejo autodestrutivo, e agonizantes sentimentos de inferioridade e culpa, ou, inversamente, a experiência extática, paz transcendental e serenidade, e um senso de unidade cósmica. A experiência psicodélica também pode se tornar uma fonte de revelação e visões estéticas, científicas, filosóficas ou espirituais.
Autoexperimentação com LSD não esgota o seu potencial didático. Outra experiência de aprendizagem de grande valor é a participação nas sessões de outros assuntos. Isto oferece uma oportunidade para os jovens profissionais de observar toda uma gama de fenômenos anormais e serem expostos e se familiarizar com os estados emocionais extremos e padrões de comportamento incomuns. Isto ocorre sob circunstâncias especialmente estruturadas, em um momento conveniente, e no contexto de uma relação existente com o experimentador. Todos estes fatores tornam esta uma situação mais adequada para o aprendizado do que para a ala de admissão ou unidade de emergência de um hospital psiquiátrico. De uma forma mais específica, o aprofundamento em sessões de LSD tem sido recomendado como um treinamento inigualável para futuros psicoterapeutas. A intensificação do relacionamento com os assistentes, que é característica de sessões de LSD, apresenta uma oportunidade rara para um profissional iniciante observar fenômenos de transferência e aprender a lidar com eles. O uso de LSD no contexto de um programa de formação de psicoterapeutas futuros foi discutido em um artigo especial por Feld, Goodman, e Guido. (26)
Um estudo amplo e sistemático do potencial didático de sessões de LSD foi realizado no Maryland Psychiatric Research Center. Neste programa, até três sessões de altas doses de LSD foram oferecidos a profissionais de saúde mental para fins de treinamento. Mais de cem pessoas participaram neste programa entre 1970, quando começou, e 1977, quando foi encerrado. A maioria destes indivíduos estavam interessados na experiência psicodélica porque era intimamente relacionado com as suas próprias atividades profissionais. Alguns deles realmente trabalharam em unidades de intervenção de crise ou com pacientes que tinham problemas relacionados ao uso de drogas psicodélicas. Outros eram praticantes de várias técnicas psicoterápicas e queriam comparar a psicoterapia do LSD às suas próprias e especiais disciplinas, psicoanálises e psicodramas, terapias de Gestalt, psicossínteses, ou bioenergéticas. Poucos foram os pesquisadores envolvidos no estudo de estados alterados de consciência, a dinâmica do inconsciente, ou a psicologia da religião. Um pequeno grupo era composto por profissionais que estavam especificamente interessados em se tornar terapeutas do LSD. Eles geralmente passaram vários meses conosco, participando de reuniões de equipe, assistindo vídeos de prática terapêutica com LSD, ou orientavam sessões psicodélicas sob supervisão. Eles, então, tiveram a oportunidade de submeter-se a suas próprias sessões de LSD como parte da programação de treinamento. Todos os participantes do programa de LSD para os profissionais concordaram em cooperar em testes psicológicos pré e pós-sessão, e preencher um questionário de acompanhamento seis meses, 12 meses e dois anos após a sessão. As perguntas deste seguimento foram centradas em mudanças observadas após a sessão de LSD em seu trabalho profissional, filosofia de vida, os sentimentos religiosos, a sua condição física e emocional, e ajustamento interpessoal. Embora tenhamos muita evidência anedótica de valor neste programa de treinamento, os dados do teste psicológico pré e pós-sessão e dos questionários de acompanhamento ainda não sessão processados e avaliados sistematicamente.
Como salientei anteriormente, sessões de treinamento com LSD são uma qualificação essencial para qualquer terapeuta do LSD. Devido à natureza única do estado psicodélico é impossível chegar a um entendimento real da sua qualidade e dimensões, a menos que a pessoa possa experimentá-lo diretamente. Além disso, a experiência de enfrentar as diversas áreas no próprio inconsciente é absolutamente necessária para o desenvolvimento da capacidade de ajudar outras pessoas com competência e serenidade no seu processo de autoexploração profunda. Sessões de treinamento de LSD também são altamente recomendadas para enfermeiros e todos os outros membros da equipe em unidades de tratamento psicodélico que entram em contato próximo com os clientes em estados incomuns de consciência.
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Administração de LSD para indivíduos criativos

Um dos aspectos mais interessantes da pesquisa LSD é a relação entre o estado psicodélico e o processo criativo. A literatura profissional sobre o assunto reflete considerável controvérsia. Robert Mogar (71), que analisou os dados experimentais existentes sobre o desempenho de várias funções relacionadas com o trabalho criativo, considerou os resultados inconclusivos e contraditórios. Assim, alguns estudos com foco no aprendizado instrumental demonstraram uma diminuição durante a experiência com drogas, enquanto outros indicaram uma melhoria definitiva da capacidade de aprendizagem. Resultados conflitantes também foram relatados na percepção das cores, lembranças e reconhecimento, conceitos de discriminação, concentração, pensamento simbólico, e precisão perceptual. Estudos utilizando vários testes psicológicos projetados especificamente para medir a criatividade normalmente não demonstraram melhora significativa como resultado da administração do LSD. No entanto, o quão relevantes estes testes são em relação ao processo criativo e quão sensível e específico que eles são para detectar as alterações induzidas pelo LSD permanecem ainda questões em aberto. Outro fator importante a considerar foi a falta de motivação geral em voluntários para participar e cooperar nos procedimentos formais de teste psicológico, enquanto eles estavam profundamente envolvidos em suas experiências interiores. Em vista da importância do “set & setting”, a relação entre experimentador e seu contexto/ambiente em uma experiência psicodélica, também deve ser mencionado que muitos dos estudos acima descritos foram realizados sob a abordagem do “modelo de esquizofrenia”, e portanto, com o intuito de demonstrar a disfunção psicótica de desempenho .
Stanislav Grof, por Alex Grey
Stanislav Grof, por Alex Grey
O resultado geralmente negativo de estudos da criatividade está em nítido contraste com a experiência cotidiana de terapeutas do LSD. O trabalho de muitos artistas-pintores, músicos, escritores e poetas que participaram da experimentação com LSD em vários países do mundo tem sido profundamente influenciados por suas experiências psicodélicas. [1] A maioria deles encontrou o acesso a fontes profundas de inspiração em sua mente inconsciente, experimentaram um aumento marcante e um desencadeamento da fantasia, e chegaram a uma extraordinária vitalidade, originalidade e liberdade de expressão artística. Em muitos casos, a qualidade de suas criações melhorou consideravelmente, não só de acordo com seu próprio julgamento ou a opinião dos pesquisadores de LSD, mas pelos padrões de seus colegas de profissão. Em exposições, que cronologicamente mostram o desenvolvimento do artista, geralmente é fácil de reconhecer quando ele ou ela teve uma experiência psicodélica. Pode-se ver geralmente um salto quântico dramático no conteúdo e estilo das pinturas. Isto é particularmente verdadeiro com pintores que, antes da sua experiência de LSD, eram convencionais e conservadores em sua expressão artística.
No entanto, a maior parte da arte nas coleções dos terapeutas psicodélicos vem de indivíduos que não eram artistas profissionais, mas tiveram sessões de LSD para fins terapêuticos, didáticos, ou outros. Freqüentemente, os indivíduos que não apresentavam quaisquer inclinações artísticas sob nenhum aspecto antes da experiência com LSD puderam criar imagens extraordinárias. Na maioria dos casos, é a intensidade do efeito que está ligada à natureza incomum e ao poder do material que emerge das profundezas do inconsciente, e não as habilidades artísticas. Não é incomum, no entanto, até mesmo para os aspectos técnicos de tais desenhos ou pinturas serem muito superiores às criações anteriores dos mesmos assuntos. Algumas pessoas realmente prosseguiram a sua vida cotidiana com as novas habilidades que eles descobriram em suas sessões psicodélicas. Em casos excepcionais, um verdadeiro talento artístico de extraordinário poder e alcance, pode surgir durante o procedimento de LSD. Um de meus pacientes em Praga, que tinha nojo de desenho e pintura toda a sua vida e teve de ser forçado a participar de aulas de arte na escola, desenvolveu um notável talento artístico dentro de um período de vários meses. Sua arte acabou encontrando aceitação entusiástica entre os pintores profissionais e ela teve exposições públicas bem-sucedidas. Em casos como este, é preciso assumir que o talento já existia nesses indivíduos em uma forma latente, e que sua expressão foi bloqueado por fortes emoções patológicas. A liberação afetiva através de terapia psicodélica tinha permitido sua manifestação livre e plena.
É interessante essa tendência que a experiência de LSD tem de aumentar a apreciação e compreensão da arte em indivíduos previamente insensíveis e indiferentes. A observação característica em uma pesquisa psicodélica é o desenvolvimento súbito de interesse em vários movimentos na arte moderna. Indivíduos que eram indiferentes ou mesmo hostis em relação a formas de arte não-convencionais podem desenvolver uma visão profunda sobre suprematismo, pontilhismo, cubismo, impressionismo, dadaísmo, surrealismo, ou super realismo, após uma única exposição ao LSD. Há certos pintores cuja arte parece ser particular e intimamente relacionada com as experiências visionárias induzidas pelo LSD. Assim muitos participantes de estudos desenvolveram profunda compreensão empática das pinturas de Hieronymus Bosch, Vincent van Gogh, Salvador Dali, Max Ernst, Pablo Picasso, René Magritte, Maurits Escher, ou HR Giger.
M.C Escher
M.C Escher
Outra consequência típica da experiência psicodélica é uma dramática mudança de atitude em relação a música; muitos participantes descobriram em suas sessões novas dimensões da música e novas formas de ouví-la. Um número de nossos pacientes, que eram alcoólatras e viciados em heroína, com má formação educacional, desenvolveram tão profundo interesse em música clássica, como resultado de sua única sessão de LSD que eles decidiram usar seus magros recursos financeiros para a compra de um aparelho de som e iniciaram uma coleção própria. O papel dos psicodélicos no desenvolvimento da música contemporânea e seu impacto sobre os compositores, intérpretes e público é tão óbvio e notório que ele não exige ênfase especial aqui.
Embora a influência do LSD na expressão artística é mais evidente nas áreas de pintura e música, a experiência psicodélica pode ter um efeito fertilizante semelhante em alguns outros ramos da arte. Estados visionários induzidas pela mescalina e LSD tiveram um significado profundo na vida, arte e filosofia de Aldous Huxley. Muitos de seus escritos, incluindo ‘Admirável Mundo Novo’, ‘A Ilha’, ‘Céu e Inferno’ e ‘As Portas da Percepção’ foram diretamente influenciados por suas experiências psicodélicas. Alguns dos mais poderosos poemas de Allen Ginsberg foram inspirados por sua autoexperimentação com substâncias psicodélicas. O papel do haxixe na arte francesa do fin de siècle também poderiam ser mencionados neste contexto. O arquiteto canadense-japonês Kiyo Izumi foi capaz de fazer uso exclusivo de suas experiências com LSD na concepção de instalações psiquiátricas modernas. (40)
Uma vez que o LSD é mediador de um acesso ao conteúdo e a dinâmica do profundo inconsciente, em termos psicanalíticos, para o processo primário, não é particularmente surpreendente que as experiências psicodélicas podem desempenhar um papel importante no desenvolvimento criativo dos artistas. No entanto, muitas observações da pesquisa psicodélica do LSD indicam que também pode ser de valor extraordinário para várias disciplinas científicas que são tradicionalmente consideradas domínios da razão e da lógica. Dois aspectos importantes do efeito LSD parecem ser de particular importância neste contexto. Em primeiro lugar, a droga pode mediar o acesso aos vastos repositórios de informações válidas e concretas do inconsciente coletivo e disponibilizá-los para o experimentador. De acordo com minhas observações, o conhecimento revelado pode ser muito específico, preciso e detalhado; os dados obtidos deste modo podem ser relacionados a muitos campos diferentes. Em nosso programa de treinamento de LSD relativamente limitado para os cientistas, insights relevantes ocorreram em áreas tão diversas como cosmogênese, a natureza do espaço e do tempo, física subatômica, etologia, psicologia animal, história, antropologia, sociologia, política, religião comparada, filosofia, genética, obstetrícia, medicina psicossomática, psicologia, psicopatologia e tanatologia. [2] 
blue_brainO segundo aspecto dos efeitos do LSD que é de grande relevância para o processo criativo é a facilitação de novas e inesperadas sínteses de dados, resultando em resoluções pouco convencionais de problemas. É um fato bem conhecido que muitas idéias importantes e soluções para os problemas não se originaram no contexto do raciocínio lógico, mas em vários estados mentais incomuns, em sonhos, ao adormecer ou despertar, nos momentos de cansaço físico e mental extremo ou durante uma doença com febre alta. Há muitos exemplos famosos deste. Dessa maneira, o químico Friedrich August von Kekulé chegou à solução final da fórmula química do benzeno em um sonho em que ele viu o anel de benzeno na forma de uma serpente que morde a cauda. Nikola Tesla construiu o gerador elétrico, uma invenção que revolucionou a indústria, depois que o projeto completo apareceu para ele em grande detalhe em uma visão. O projeto para a experiência que conduz ao prêmio Nobel de descoberta da transmissão química dos impulsos nervosos ocorreu o fisiologista Otto Loewi enquanto ele dormia. Albert Einstein descobriu os princípios básicos de sua teoria da relatividade especial em um estado incomum de espírito; de acordo com a sua descrição, a maioria das idéias vieram a ele na forma de sensações cinestésicas.
Poderíamos citar muitos exemplos de um modelo semelhante, onde um indivíduo criativo lutava sem sucesso a um longo tempo com um difícil problema em usar a lógica e a razão, em que a solução real emergiu inesperadamente do inconsciente nos momentos em que a sua racionalidade foi suspensa. [3] Na vida cotidiana, eventos desse tipo acontecem muito raramente, e de uma forma elementar e imprevisível. As drogas psicodélicas parecem facilitar a incidência de tais soluções criativas para o ponto em que elas podem ser deliberadamente programadas. Em um estado de LSD, as velhas estruturas conceituais se quebram, barreiras cognitivas culturais se dissolvem, e o material pode ser visto e sintetizado em uma maneira totalmente nova que não era possível dentro dos antigos sistemas de pensamento. Este mecanismo pode produzir não apenas articulando novas soluções para os vários problemas específicos, mas trazendo novos paradigmas que revolucionam disciplinas científicas inteiras.
Embora a experimentação psicodélica tenha sido drasticamente controlada antes que estes caminhos pudessem ser explorados de forma sistemática, o estudo da resolução criativa de problemas conduzido por Willis Harman e James Fadiman (36) no Instituto de Pesquisa de Stanford trouxe evidências interessantes o suficiente para incentivar a investigação futura.
lophophora williamsii (Peyote)
lophophora williamsii (Peyote)
O medicamento utilizado neste experimento não era LSD mas mescalina, o ingrediente ativo do cacto mexicano Anhalonium lewinii [Lophophora williamsii], ou peyote. Devido à semelhança geral dos efeitos destes dois medicamentos, resultados comparáveis devem ser esperado com o uso de LSD; várias observações acidentais de nosso programa de treinamento de LSD para os cientistas e para o uso terapêutico da droga parecem confirmar isso. Os sujeitos do estudo Harman-Fadiman eram vinte e sete homens envolvidos em uma variedade de profissões. O grupo foi composto por dezesseis engenheiros, um engenheiro-físico, dois matemáticos, dois arquitetos, um psicólogo, um designer de móveis, um artista comercial, um gerente de vendas, e um gerente de pessoal. O objetivo do estudo foi verificar se sob a influência de 200 miligramas de mescalina estes indivíduos mostrariam aumento da criatividade e na produção de soluções concretas, válidas e viáveis para os problemas, julgado pelos critérios da indústria moderna e da ciência positivista. Os resultados desta pesquisa foram muito encorajadores; muitas soluções foram aceitas para construção ou produção, outras poderiam ser mais desenvolvidas ou levaram a novos caminhos para a investigação. Os voluntários de mescalina consistentemente relataram que a droga gerou neles uma variedade de mudanças que facilitaram o processo criativo. Baixou a inibição e as ansiedades, aumentou a fluência e flexibilidade de ideação, aumentado a capacidade de imaginação visual e de fantasia, e aumentou a capacidade de se concentrar no projeto. A administração de mescalina também facilitou a empatia com pessoas e objectos, gerou informação subconsciente mais acessível, aumentou a motivação para a obtenção de conclusões e, em alguns casos, permitiu a visualização imediata da solução completa.
É evidente que o potencial do LSD para aumentar a criatividade será directamente proporcional à capacidade intelectual e sofisticação do experimentador. Para a maioria dos insights criativos, é necessário conhecer o estado atual da disciplina envolvida, ser capaz de formular novos problemas relevantes e encontrar os meios técnicos de descrever os resultados. Se este tipo de pesquisa for repetido no futuro, os candidatos lógicos seriam proeminentes cientistas de várias disciplinas:. Físicos nucleares, astrofísicos, geneticistas, fisiologistas do cérebro, antropólogos, psicólogos e psiquiatras [4]

Experiências Místico-Religiosas Quimicamente Induzidas

teonanacatl
teonanacatl
O uso de substâncias psicodélicas para fins rituais, religiosos e mágicos remonta às tradições xamânicas antigas e é provavelmente tão antigo quanto a humanidade. O lendário soma, a poção divina preparada a partir de uma planta ou fungo de mesmo nome, cuja identidade já está perdida, desempenhou um papel crucial na religião védica. Preparações de Cannabis indica e sativa têm sido utilizados na Ásia e África durante muitos séculos sob diferentes nomes: haxixe, charas, bhang, ganja, kif, tanto em cerimônias religiosas como na medicina popular. Eles têm desempenhado um papel importante no Bramanismo, têm sido utilizados no contexto das práticas Sufi, e representam o principal sacramento dos rastafáris. O uso religioso-mágico de plantas psicodélicas foi generalizado nas culturas pré-colombianas, entre os astecas, maias, Olmecas e outros grupos indígenas. O famoso cacto mexicano Lophophora williamsii (peyote), o Psilocybe mexicana cogumelo sagrado (teonanacatl) , e diversas variedades de sementes de morning glory (Ololiuqui) estavam entre as plantas utilizadas. Uso ritual do peiote e do cogumelo sagrado ainda sobrevive entre várias tribos mexicanas; a caça ao peyote e outras cerimônias sagradas dos índios Huichol e rituais de cura Mazatecas usando os cogumelos, podem ser mencionados aqui como exemplos importantes. O Peyote também foi assimilado por muitos grupos indígenas norte-americanas e cerca de cem anos atrás, tornou-se o sacramento da sincretista Igreja Nativa Americana. Curandeiros sul-americanos (ayahuasqueiros), e tribos amazônicas pré-letradas, como o Amahuaca e o Jivaro usam yagé, extratos psicodélicos do “cipó visionário”, Banisteriopsis caapi. A mais conhecida planta alucinógena africana é a Tabernanthe iboga (iboga), em que dosagens menores servem como um estimulante e é usado em grandes quantidades como um fármaco de iniciação. Na Idade Média, poções e pomadas contendo plantas psicoativas e ingredientes de origem animal foram amplamente utilizados no contexto do Sabbath das Bruxas e os rituais de magia negra. Os constituintes mais famosos das poções das bruxas eram a Beladona (Atropa Belladonna), o Mandrake (Mandragora officinarum), a Trombeta (Datura Stramonium), meimendro (Hyoscyamus niger). Da pele do sapo cururu (bufo alvarius) a chamada bufotenina (ou dimethylserotonin) também tem propriedades psicodélicas. As plantas psicodélicas mencionados acima representam apenas uma pequena seleção daqueles que são os mais famosos. De acordo com o etnobotânico Richard Schultes, do Departamento de Botânica da Universidade de Harvard, existem mais de uma centena de plantas com propriedades psicoativas distintas.
A capacidade de substâncias psicodélicas para induzir estados visionários de natureza religiosa e mística está documentado em muitas fontes históricas e antropológicas. A descoberta do LSD, e a ocorrência bem divulgada dessas experiências em muitos temas experimentais dentro de nossa própria cultura, trouxe esta questão à atenção dos cientistas. O fato de que as experiências religiosas poderiam ser desencadeadas pela ingestão de agentes químicos instigou uma discussão interessante e altamente controversa sobre a “química” ou “misticismo instantâneo.” Muitos cientistas comportamentais, filósofos e teólogos se envolveram em polêmicas ferozes sobre a natureza desses fenômenos, o seu significado, validade e autenticidade. As opiniões logo cristalizaram-se em três pontos de vista extremos. Alguns experimentadores viram a possibilidade de induzir experiências religiosas por meios químicos como uma oportunidade para transferir fenômeno religioso do reino do sagrado para o laboratório, e portanto, eventualmente, para explicá-los em termos científicos. Em última análise, não haveria nada de misterioso e santo sobre religião, e as experiências espirituais poderiam ser reduzidas à fisiologia do cérebro e à bioquímica. No entanto, outros pesquisadores tomaram uma postura muito diferente. Segundo eles, o fenômeno místico induzido pelo LSD e outras drogas psicodélicas é genuíno e estas substâncias devem ser consideradas sacramentos, porque eles podem mediar o contato com realidades transcendentes. Esta era essencialmente a posição assumida pelos xamãs e sacerdotes de culturas psicodélicas onde as plantas visionárias, como soma, peyote e teonanacatl eram vistas como materiais divinos ou como divindades em si. Ainda outra abordagem para o problema foi a considerar experiências com LSD como fenômenos “quase-religiosos”, que apenas simulam ou superficialmente se assemelham a espiritualidade autêntica e genuína que vem como “a graça de Deus”, ou como resultado de disciplina, devoção e práticas austeras. Neste quadro, a aparente facilidade com que essas experiências podem ser desencadeadas por uma substância química inteiramente desacreditaria seu valor espiritual.
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No entanto, aqueles que argumentam que as experiências espirituais induzidas por LSD não podem ser válidas porque são muito facilmente disponíveis e sua ocorrência e distribuição dependem da decisão do indivíduo, não compreendem a natureza do estado psicodélico. A experiência psicodélica não é nem fácil nem uma forma previsível de chegar a Deus. Muitos indivíduos não têm elementos espirituais em suas sessões, apesar de muitas exposições ao fármaco. Aqueles que têm uma experiência mística com freqüência se submetem a provas psicológicas que são pelo menos tão difíceis e dolorosos como aqueles associados com vários ritos aborígines de passagem ou disciplinas religiosas rigorosas e austeras.
10683930_605601589561499_1828617718_aA maioria dos pesquisadores concorda que não é possível diferenciar claramente experiências místicas espontâneas e quimicamente induzidas, com base na análise fenomenológica ou abordagens experimentais. [5] Esta questão é ainda mais complicada pela relativa ausência de efeitos farmacológicos específicos do LSD e pelo fato de que algumas das situações propícias ao misticismo espontâneo estão associados a mudanças fisiológicas e bioquímicas dramáticas no corpo.
O jejum prolongado, a privação do sono, uma estadia no deserto com a exposição à desidratação e extremos de temperatura, manobras respiratórias contundentes, estresse emocional excessivo, o esforço físico e torturas, o canto longo monótono e outras práticas populares de “tecnologias do sagrado” causam alterações de tão longo alcance na química do corpo que é difícil traçar uma linha clara entre o misticismo espontâneo e química.
A decisão se experiências induzidas quimicamente são genuínas e autênticas ou não reside, portanto, no domínio de teólogos e mestres espirituais. Infelizmente, os representantes de diferentes religiões têm manifestado um amplo espectro de opiniões conflitantes; continua a ser uma questão em aberto que deve ser considerada uma autoridade nesta área. Alguns destes especialistas religiosos fizeram seus julgamentos sem nunca ter tido uma experiência psicodélica e dificilmente podem ser considerados autoridades sobre LSD; outros fizeram amplas generalizações com base em uma única sessão. Sérias diferenças de opinião existem entre os principais representantes de mesma religião – padres católicos, ministros protestantes, rabinos e santos-hindus que tiveram experiências psicodélicas. Actualmente, depois de trinta anos de discussão, a questão de saber se LSD e outros psicodélicos podem induzir experiências espirituais genuínas ainda está aberta. As opiniões negativas de pessoas como Meher Baba ou RC Zaehner se mantém firmes contra as de vários mestres do budismo tibetano, uma série de xamãs das culturas psicadélicas, Walter Clark, Huston Smith, e Alan Watts.
Se as experiências produzidas por LSD são revelações místicas genuínos ou simulações apenas muito convincentes do mesmo, elas são certamente fenômenos de grande interesse para os teólogos, pastores e estudantes de religião. Dentro de poucas horas, os indivíduos ganham profundos insights sobre a natureza da religião, e em muitos casos, a sua compreensão formal e uma crença puramente teórica são vitalizadas por uma profunda experiência pessoal dos reinos transcendentais. Esta oportunidade pode ser particularmente importante para os ministros que professam uma religião, mas ao mesmo tempo abriga sérias dúvidas sobre a verdade e relevância do que eles pregam. Vários padres e teólogos que se voluntariaram para o nosso programa de treinamento de LSD no Maryland Psychiatric Research Center eram céticos ou ateus que se envolveram com sua profissão por uma míriade de razões externas. Para eles, as experiências espirituais que tiveram em suas sessões de LSD foram uma prova importante de que a espiritualidade é uma força real e profundamente relevante na vida humana. Essa percepção libertou-os a partir do conflito que tiveram sobre a sua profissão, e da carga de hipocrisia. Em vários casos, os parentes e amigos desses indivíduos relataram que seus sermões Após a sessão de LSD mostraram um poder incomum e autoridade natural.
serpentxAs experiências espirituais em sessões psicodélicas freqüentemente se vestem com o simbolismo do inconsciente coletivo e podem, assim, ocorrer sob aspectos de outras culturas e tradições religiosas que estão além do próprio experimentador. Sessões de treinamento de LSD são, portanto, de interesse especial para aqueles que estudam religião comparada. Ministros filiados a uma igreja específica às vezes são surpreendidos quando eles têm uma profunda experiência religiosa no contexto de um credo totalmente diferente. Devido à natureza basicamente unificadora da experiência psicodélica, isso geralmente não desqualifica sua própria religião, mas a coloca em uma perspectiva cósmica mais ampla.

O Papel do LSD no Crescimento Pessoal e na Auto Realização

Durante os anos de pesquisa intensiva sobre o LSD, o principal foco foi a investigação básica psicopatológica, a terapia psiquiátrica, ou alguns usos muito específicos, como o reforço da expressão artística ou a mediação de uma experiência religiosa. Relativamente pouca atenção foi dada ao valor que as experiências psicodélicas poderiam ter para o desenvolvimento pessoal dos indivíduos “normais”. Em meados dos anos sessenta, esta questão surgiu de uma forma elementar e explosiva em uma onda de enorme autoexperimentação não supervisionada.
Na atmosfera de histeria nacional que se seguiu, os prós e contras foram discutidos de forma apaixonada, exageradamente enfáticas, e, finalmente, confusa. Os prosélitos do LSD apresentaram a droga bastante acriticamente como uma panaceia fácil e segura para todos os problemas que afligem a existência humana. Autoexploração psicodélica e transformação da personalidade foram apresentadas como a única alternativa viável para a aniquilação súbita em um holocausto nuclear ou morte lenta entre os resíduos de produtos industriais. Foi recomendado que tantas pessoas quanto possível, deveriam tomar LSD sob quaisquer circunstâncias e tão freqüentemente quanto podiam, a fim de acelerar o advento da Era de Aquário. Sessões de LSD eram vistas como um rito de passagem que deveria ser obrigatória para todos os que atingiram sua adolescência.
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A falta de informação ao o público sobre os perigos e armadilhas da experimentação psicodélica e de instruções para minimizar os riscos e danos, resultou em manchetes de jornais apocalípticos descrevendo os horrores e acidentes relacionados com a droga e provocou, em resposta, uma caça às bruxas encabeçada por políticos, educadores e muitos profissionais. Ignorando os dados de quase duas décadas de experimentação científica responsável, a propaganda anti-droga mudou para o outro extremo e apresentouapresentou o LSD como a droga do diabo totalmente imprevisível que representava um grave perigo para a sanidade da geração atual e para a saúde física das gerações a vir.
Neste momento, quando a carga emocional dessa controvérsia parece ter diminuído, é possível ter uma visão mais sóbria e objetiva dos problemas envolvidos. Evidências clínicas sugerem fortemente que as pessoas “normais” podem se beneficiar mais do processo do LSD e estão menos sujeitos a riscos ao participar em um programa psicodélico supervisionado. Uma única sessão de LSD em altas doses pode freqüentemente ser de valor extraordinário para aquelas pessoas que não têm quaisquer problemas clínicos graves. A qualidade de suas vidas pode ser consideravelmente reforçada e a experiência pode movê-los no sentido de auto realização e auto atualização. Este processo parece ser comparável em todos os sentidos ao que Abraham Maslow havia descrito para os indivíduos que tiveram espontâneas “experiências de pico.”
A propaganda proibicionista oficial é baseada em uma compreensão muito superficial das motivações para o uso de drogas psicodélicas. É verdade que, em muitos casos, a droga é usada por diversão ou no contexto de rebelião juvenil contra a autoridade parental ou o estabelecimento. No entanto, mesmo aqueles que tomam LSD sob as piores circunstâncias freqüentemente obtém um vislumbre do verdadeiro potencial da droga, e isso pode se tornar uma força poderosa no uso futuro. O fato de que muitas pessoas tomam LSD em uma tentativa de encontrar uma solução para os seus dilemas emocionais ou a partir de uma profunda necessidade de respostas filosóficas e espirituais não deve ser subestimado. O desejo de contato com as realidades transcendentes pode ser mais poderoso do que o desejo sexual. Ao longo da história humana inúmeros indivíduos estão dispostos a correr enormes riscos de vários tipos e sacrificar anos ou décadas de suas vidas para atividades espirituais. Todas as medidas razoáveis que venham a regular o uso das drogas psicodélicas devem tomar esses fatos em consideração.
Muito poucos pesquisadores sérios ainda acreditam que a experimentação de LSD puro representa um risco genético. Em circunstâncias adequadas, os perigos psicológicos que representam o único posssivel risco grave, pode ser reduzida a um mínimo. Na minha opinião, não há nenhuma evidência científica que se opõe à criação de uma rede de instalações em que aqueles que estão seriamente interessados em auto exploração psicodélica poderiam praticá-la com substâncias puras e sob as melhores circunstâncias. Muitos deles seriam indivíduos que estão tão profundamente motivados que de outra forma seriam sérios candidatos a autoexperimentação ilegal se envolvendo em um risco muito maior. A existência de centros deste tipo patrocinados pelo governo teria um efeito inibidor sobre as motivações imaturas de pessoas para quem as atuais proibições rigorosas representam um desafio especial e uma tentação. Uma vantagem adicional dessa abordagem seria a oportunidade de acumular e processar de uma forma sistemática todas as informações valiosas sobre os psicodélicos que foram perdidas na experimentação sem supervisão elemental e caótica. Isso também iria resolver a situação absurda existente, na qual quase nenhuma pesquisa profissional séria está sendo realizada em uma área onde milhões de pessoas têm vindo a experimentar por conta própria.

O Uso do LSD no Desenvolvimento de Habilidades Paranormais

392203_2255744723341_315104784_nMuitas evidências históricas e antropológicas e numerosas observações casuais de pesquisa clínica sugerem que substâncias psicodélicas ocasionalmente podem facilitar a percepção extra-sensorial. Em muitas culturas, plantas visionárias foram administradas no contexto de cerimônias de cura espiritual como meios para diagnosticar e curar doenças. Igualmente freqüente foi a sua utilização para outros fins mágicos, como a localização de pessoas ou objetos perdidos, projeção astral, a percepção de eventos remotos, precognição, e clarividência. A maioria dos medicamentos utilizados para estes fins foram mencionados anteriormente em conexão com rituais religiosos. Eles incluem a resina ou as folhas de cânhamo (Cannabis indica ou sativa) na África e Ásia; cogumelos amanitas entre várias tribos da Sibéria e índios norte-americanos; a planta Tabernanthe iboga entre certos grupos étnicos africanos; o cohoba snuffs (Anadenanthera peregrino) e epena (Virola theidora) da América do Sul e Caribe; e os três psicodélicos básicos das culturas pré-colombianas; o cacto peiote (Lophophora williamsii), o cogumelos sagrados teonanacatl (Psilocybe mexicana) e as sementes de Morning Glory Ololiuqui (Ipomoea violacea). De especial interesse parece ser o Yage ou Ayahuasca, uma bebida preparada a partir da trepadeira Banisteriopsis caapi, usada por índios sul-americanos no vale do Amazonas. A Harmina, também chamado yagéine ou banisterina, um dos alcalóides activos isolados da planta banisteriopsis, na verdade, tem sido referido como “telepatina”. Os estados psicodélicos induzidas pelos extratos dessas plantas parecem ser amplificadores especialmente poderosos de fenômenos paranormais. O exemplo mais famoso das propriedades incomuns do Yagé pode ser encontrada nos relatórios de McGovern (69), um dos antropólogos que descreveram esta planta. De acordo com sua descrição, um curandeiro local viu em detalhe notável a morte do chefe de uma tribo distante no momento em que estava acontecendo; a precisão da sua conta foi verificada muitas semanas depois. Uma experiência semelhante foi relatado por Manuel Cordova-Rios (53) que viu com precisão a morte de sua mãe em sua sessão yagé e mais tarde foi capaz de verificar todos os detalhes. Todas as culturas psicodélicas parecem partilhar a crença de que não só é percepção extra-sensorial reforçada durante a intoxicação por plantas sagradas, mas o uso sistemático dessas substâncias, que facilita o desenvolvimento de habilidades paranormais na vida cotidiana.
Muito material anedótico recolhidos ao longo dos anos por pesquisadores psicodélicos apóiam as crenças acima. Masters e Houston (65) descreveram o caso de uma dona de casa que em sua sessão de LSD viu a filha na cozinha de sua casa procurando o pote de biscoitos. Ela ainda relatou ter visto a criança bater em um açucareiro na prateleira e derramá-lo no chão. Este episódio foi mais tarde confirmado por seu marido. Os mesmos autores também apontaram um relato de LSD onde o indivíduo viu “um navio capturado em blocos de gelo, em algum lugar nos mares do norte.” De acordo com o assunto, o navio tinha na proa o nome de “França”. Mais tarde, foi confirmado que o “França” tinha realmente ficado preso no gelo perto da Groenlândia, no momento da sessão de LSD do sujeito. O famoso psicólogo e pesquisador parapsicológico Stanley Krippner (49) visualizou, durante uma sessão de psilocibina, em 1962, o assassinato de John F. Kennedy, que teve lugar um ano depois. Observações semelhantes foram relatados por Humphrey Osmond, Duncan Blewett, Abram Hoffer, e outros pesquisadores. A literatura sobre o assunto foi revisada criticamente em um artigo sinóptico por Krippner e Davidson. (50)
Na minha própria experiência clínica, vários fenômenos que sugerem percepção extra-sensorial são relativamente frequentes na psicoterapia com LSD, particularmente em sessões avançadas. Eles variam de uma antecipação mais ou menos vaga de eventos futuros ou de uma consciência de acontecimentos remotos em cenas complexas e detalhadas que vem na forma de visões clarividentes e vivas. Isto pode estar associado com sons apropriados, tais como palavras faladas e frases, ruídos produzidos por veículos automotores, sons de carros de bombeiros e ambulâncias, ou o sopro de cornetas. Algumas dessas experiências podem mais tarde ser avaliadas em correspondência com diferentes graus de eventos reais. Verificação objetiva nesta área pode ser particularmente difícil. A menos que estes casos sejam relatados e claramente documentados durante as sessões psicodélicas reais há um grande perigo de contaminação dos dados. Interpretação livre de eventos, as distorções da memória, bem como a possibilidade de fenômenos de deja vu durante a percepção de ocorrências posteriores são algumas das principais armadilhas envolvidas.
22psychedelics-articleLargeOs fenômenos paranormais mais interessantes que ocorrem em sessões psicodélicas são as experiências fora do corpo e as instâncias de viagem clarividente e clariauditiva. A sensação de sair do próprio corpo é bastante comum em estados induzidos por drogas e pode ter várias formas e graus. Algumas pessoas experimentam-se como completamente separados de seus corpos físicos, pairando acima deles ou observando-os de outra parte da sala. Ocasionalmente, os indivíduos podem perder completamente a consciência do ambiente físico real e sua consciência pode se mover em reinos experimentais e realidades subjetivas que parecem ser totalmente independentes do mundo material. Eles podem, então, se identificar inteiramente com as imagens do corpo dos protagonistas dessas cenas, sejam pessoas, animais ou entidades arquetípicas. Em casos excepcionais, o indivíduo pode ter uma experiência complexa e vívida de se mudar para um lugar específico no mundo físico, e dar uma descrição detalhada de um local remoto ou evento. As tentativas para verificar tais percepções extra-sensoriais às vezes podem resultar em confirmações surpreendentes. Em casos raros, o sujeito pode controlar ativamente esse processo e “viajar” à vontade para qualquer local ou momento ele ou ela escolhe. Uma descrição detalhada de uma experiência deste tipo que ilustra a natureza e complexidade dos problemas em causa foi publicado no meu livro ‘Reinos do Inconsciente Humano’, p. 187. (32)
Testes objetivos, sob os padrões técnicos laboratoriais utilizados na investigação parapsicológica tem sido geralmente bastante decepcionantes e não conseguiram demonstrar um aumento de percepção extra-sensorial como um aspecto previsível e constante do efeito do LSD. Masters e Houston (65) testaram indivíduos com o uso de um baralho de cartas especial, desenvolvido no laboratório de parapsicologia na Universidade de Duke. O baralho contém vinte e cinco cartões, cada um dos quais tem um símbolo geométrico: uma estrela, círculo, cruz, quadrado ou linhas onduladas. Os resultados dos experimentos em que os voluntários de LSD tentaram adivinhar a identidade destes cartões foram estatisticamente não significativos. Um estudo semelhante realizado por Whittlesey (102) e um experimento de adivinhação de cartão num estudo sobre psilocibina, relatado por van Asperen de Boer, Barkema e Kappers (6) foram igualmente decepcionantes, embora uma descoberta interessante no primeiro desses estudos foi uma diminuição marcante da variância; os sujeitos realmente chegaram significativamente mais perto de adivinhar do que a expectativa prevista matematicamente. Resultados inéditos da pesquisa parapsicológica de Walter Pahnke no Maryland Psychiatric Research Center sugerem que a abordagem estatística para esse problema pode ser enganosa. Neste projeto, Walter Pahnke usaram uma versão modificada dos cartões da Universidade de Duke, na forma de painéis de teclado eletrônico. O voluntário tinha que adivinhar a chave que tinham sido acesa em um painel em uma sala adjacente manualmente ou por um computador. Embora os resultados para todo o grupo de testados não tenham sido estatisticamente significativos, certos indivíduos atingiram notavelmente altas pontuações em algumas das medições.
Alguns pesquisadores manifestaram objeções à abordagem desinteressante e sem imaginação para o estudo de fenômenos parapsicológicos representados por adivinhação de cartões repetitivos. Em geral, esse procedimento não tem muita chance na competição pela atenção do indivíduo em comparação com algumas das experiências subjetivas emocionantes que caracterizam o estado psicodélico. Na tentativa de tornar a tarefa mais atraente, Cavanna e Servadio (19) utilizaram materiais com conteúdo emocional, em vez de cartões; fotografia impressa com cores, pinturas incongruentes que foram preparadas para o experimento. Embora um sujeito tenha se destacado, os resultados gerais não foram significantes. Karlis Osis (73) administrou LSD a uma série de “médiuns” que receberam objetos e pediu para descrevessem os proprietários. Um médium foi especialmente bem sucedido, mas a maioria dos outros se tornaram tão interessados nos aspectos estéticos e filosóficos da experiência, ou tão presos em seus problemas pessoais, que acharam difícil manter a concentração na tarefa.
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De longe, os dados mais interessantes surgiram a partir de um estudo piloto projetado por Masters e Houston (65) que usou imagens emocionalmente carregadas com sessenta e dois voluntários de LSD. Os experimentos foram realizados nos períodos de término das sessões, quando se é relativamente mais fácil de se concentrar em tarefas específicas. Quarenta e oito dos indivíduos testados se aproximaram da imagem alvo, pelo menos, duas vezes em cada dez, enquanto que cinco indivíduos fizeram suposições de sucesso, pelo menos, sete em cada dez vezes. Por exemplo, um indivíduo visualizou “mares agitados” quando a imagem correta era um navio Viking em uma tempestade. O mesmo indivíduo sugeriu “vegetação exuberante” quando a imagem foi de florestas tropicais na Amazônia”, um “camelo” quando a imagem era um árabe em um camelo, “os Alpes”, quando o quadro era o Himalaia, e “uma mulher negra colhendo algodão em um campo” quando o alvo era uma plantação no Sul.
O estudo de fenômenos paranormais em sessões psicodélicas apresenta muitos problemas técnicos. Além dos problemas de conseguir voluntários interessados que mantenham a sua atenção na tarefa, Blewett (12) também enfatizou o fluxo rápido de imagens eidéticas que interferem na capacidade do indivíduo para estabilizar e escolher a resposta que poderia ter sido desencadeada pelo alvo. As dificuldades metodológicas para estudar o efeito de drogas psicodélicas em percepção extra-sensorial ou outras habilidades paranormais e a falta de evidência nos estudos existentes não invalida, no entanto, algumas observações bastante extraordinários nesta área. Todo terapeuta de LSD com experiência clínica suficiente recolheu observações desafiadoras o suficiente para levar este problema a sério. Eu mesmo não tenho nenhuma dúvida de que os psicodélicos podem, ocasionalmente, induzir elementos de percepção extra-sensorial genuínos no momento do seu efeito farmacológico. Na ocasião, a ocorrência de certas habilidades paranormais e fenômenos podem se estender além do dia da sessão. A observação fascinante que está intimamente relacionada e merece atenção neste contexto é o acúmulo freqüente de coincidências extraordinárias nas vidas de pessoas que tinham experimentado fenômenos transpessoais em suas sessões psicodélicas. Tais coincidências são fatos objetivos, e não apenas interpretações subjetivas de dados perceptual; eles são semelhantes às observações que Carl Gustav Jung descritos em seu ensaio sobre sincronicidade. (44)
A discrepância entre a ocorrência de fenômenos parapsicológicos em sessões de LSD e os resultados negativos dos estudos laboratoriais específicos parece refletir o fato de que um aumento na Percepção extra sensorial não é um padrão e aspecto constante do efeito do LSD. Estados psicológicos favoráveis para vários fenômenos paranormais e caracterizadas por uma extraordinariamente alta incidência de Percepção extra sensorial estão entre as muitas condições mentais alternativas que podem ser facilitados por esta droga; em outros tipos de experimentos com LSD as habilidades de percepção extra sensorial parecem estar no mesmo nível que eles se encontram no estado de consciência diário, ou mesmo ainda mais reduzida. Pesquisas futuras terão de avaliar se a incidência de outra forma imprevisível e elemental de habilidades paranormais em estados psicodélicos podem ser aproveitadas e sistematicamentes cultivadas, como é indicado na literatura xamânica.
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NOTAS
  1. O leitor interessado encontrará discussão abrangente sobre o assunto no excelente livro de Robert Masters e Jean Houston “Arte Psicodélica” (66). A influência do LSD e psilocibina na criatividade de pintores profissionais também foi documentada exclusivamente no livro “Psicoses Experimentais” (90) pelo psiquiatra tcheco, J. Roubicek. Coleção inédita de Oscar Janiger de pinturas profissionais feitos sob a influência do LSD também merece ser mencionado neste contexto.
    2. Alguns exemplos concretos de insights relevantes deste tipo são descritos no meu livro “Reinos do Inconsciente Humano. (32)
    3. Muitos outros exemplos desse fenômeno podem ser encontrados no livro de Arthur Koestler “ato de criação”. (48)
    4. O leitor interessado encontrará mais informações sobre o assunto no Artigo de Stanley Krippner “Criatividade e drogas psicodélicas”. (51)
    5. O estudo mais interessante desse tipo era (75) “Good-friday experiment” de Walter Pahnke realizada em 1964 na Capela de Harvard em Cambridge, Massachusetts. Neste estudo, dez estudantes de teologia cristãs receberam 30 miligramas de psilocibina, e dez outros que funcionavam como um grupo de controle recebeu 200 miligramas de ácido nicotínico como placebo. A atribuição para os dois grupos foi feito em uma base double-blind. Todos eles escutaram um serviço religioso de duas e meia-hora que consistiu de música de órgão, solos vocais, leituras, orações e meditação pessoal. Os indivíduos que receberam a psilocibina foram muito bem cotados no questionário de experiência mística desenvolvido por Pahnke, enquanto a resposta do grupo de controle foi mínima.
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Fonte:http://mundocogumelo.com/2015/01/24/usos-nao-terapeuticos-lsd-stanislav-grof/

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