PRÓ-DROGAS: CONHEÇA AS NOVAS SUBSTÂNCIAS APREENDIDAS NO BRASIL QUE SE TRANSFORMAM EM ENTORPECENTES ILÍCITOS APENAS DENTRO DO CORPO

  ALD-52, pró-droga de LSD, apreendido no Rio Grande do Sul.

Pró-drogas: conheça as novas substâncias apreendidas no Brasil que se transformam em entorpecentes ilícitos apenas dentro do corpo

Especialistas apontam preocupação com o novo formato, que consegue escapar da fiscalização e provocar os mesmos efeitos da droga original

Por 

Bernardo Yoneshigue 

— Rio de Janeiro

31/08/2023 04h31  Atualizado 31/08/2023

 

Os relatos de pró-drogas no mercado ilegal para “mascarar” substâncias ilícitas e escapar da fiscalização têm crescido pelo mundo. Embora o monitoramento ainda seja escasso, o Brasil teve a primeira apreensão de um entorpecente do tipo no ano passado, em São Paulo. Mais recentemente, em março deste ano, foi confirmada uma identificação no Rio Grande do Sul.

O conceito de uma pró-droga não é novo, mas algo utilizado na indústria de medicamentos há décadas, explica o farmacêutico e professor em Ciências Forenses da Universidade de Winchester, no Reino Unido, Julio Ponce.

— Ela utiliza o metabolismo da própria pessoa para transformar a substância da pílula no princípio ativo. Por exemplo, por meio das reações químicas que ocorrem ao reagir com o ácido gástrico após ser ingerida oralmente — explica ele, que foi perito criminal da Polícia Científica do Estado de São Paulo por 13 anos.

Segundo Ponce, isso ajuda em fatores como a distribuição do remédio no organismo e a capacidade de ultrapassar algumas barreiras fisiológicas, o que pode ampliar a duração do efeito no corpo e a eficácia.

No entanto, essas estruturas adicionadas à molécula que fazem com que ela se torne o princípio ativo apenas dentro do corpo humano passaram a ser utilizadas com outra finalidade: “esconder” drogas ilícitas e conseguir comercializá-las, escapando da fiscalização.

— No geral o efeito vai ser o mesmo. A diferença principal é em relação à duração. Como tem essa demora para metabolizar e virar a substância ativa, ela pode permanecer no organismo por mais tempo — diz o farmacêutico.

Ele explica que existem relatos de pró-drogas de LSD desde os anos 60, mas que os registros ganharam força mesmo após 2015. A nova tendência começou em países europeus, mas chegou recentemente ao Brasil.

No início de 2022, o projeto INSPEQT – parceria entre a Polícia Federal, as Polícias Científicas de São Paulo e Sergipe, e de pesquisadores da USP e da Unicamp – identificou um entorpecente do tipo em São Paulo, chamado ALD-52.

Quando ingerido, ele se converte, dentro do corpo, no LSD. Porém, as mudanças na molécula já eram suficientes para que ela não fosse enquadrada na classificação da Anvisa como similar ao LSD. Com isso, foi preciso uma solicitação pelo INSPEQT à agência para incluir a substância na lista oficial que tem a comercialização proibida no país.

É, portanto, uma forma de escapar à fiscalização, e essa inclusão na lista da Anvisa ocorre de forma reativa – depende da identificação da molécula e de sua confirmação pelos laboratórios, o que não é simples, e do relato das autoridades à agência.

Neste ano, em março, houve uma segunda confirmação do ALD-52 no Brasil, no Rio Grande do Sul, pelo Instituto-Geral de Perícias do estado (IGP- RS) em parceria com a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).

Em forma de selo de papel, a pró-droga foi apreendida ainda em junho de 2022, mas dependeu da análise de laboratórios de ambas as instituições, com equipamentos avançados, para confirmação.

Riscos das pró-drogas

Além da preocupação com o avanço de novas, e mais sofisticadas, drogas, os especialistas citam riscos específicos do formato ativado apenas dentro do organismo, para além dos já conhecidos das substâncias originais.

Em comunicado sobre a apreensão, o pesquisador do Grupo de Pesquisas em Espectrometria de Massas e professor da UFCSPA, Tiago Franco de Oliveira, citou que essa demora para ser metabolizado e transformado em LSD pode levar os usuários do ALD-52 a consumirem mais doses em busca do efeito mais rápido.

Além disso, as pró-drogas permanecem por mais tempo no organismo. Ainda que as versões conhecidas – do GHB, do LSD e do MDMA – raramente provoquem overdoses sozinhas, Ponce cita que desfechos graves podem decorrer da mistura com outros entorpecentes.

— E nós temos outros riscos associados, como cognitivos, de desenvolvimento, de riscos de acidente, de vulnerabilidade para violência física, sexual. Então continua sendo um problema de interesse social, ainda que o resultado final muito raramente seja o óbito — afirma.


Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2023/08/31/pro-drogas-conheca-as-novas-substancias-apreendidas-no-brasil-que-se-transformam-em-entorpecentes-ilicitos-apenas-dentro-do-corpo.ghtml


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