Um dos relatos que viralizou nas redes sociais foi compartilhado por Pedro Pereira. Numa postagem, ele alega ter gastado 9 mil reais ao comprar um pacote de viagens para Buenos Aires, na Argentina, durante uma alucinação relacionada ao zolpidem.
Embora muitas dessas histórias sejam engraçadas e curiosas, não se pode ignorar os riscos envolvidos em muitos desses casos.
"E se a pessoa faz algum comentário inadequado no WhatsApp? Ou come algo estragado? Ou, pior, dirige um carro e coloca em risco a si e os outros?", questiona Poyares.
Quando há indicação de uso do zolpidem, a orientação dos especialistas é tomar o comprimido e ir direto para a cama — de preferência, com o celular bem longe para evitar eventuais compras inesperadas ou postagens comprometedoras.
Esse cuidado deve ser ainda maior com as versões sublinguais da medicação (colocadas debaixo da língua para dissolver). Nelas, a absorção é mais rápida e o efeito de sonolência acontece em poucos minutos.
Dependência e tolerância
Doria chama a atenção para a probabilidade de a dose inicial do zolpidem começar a ser insuficiente depois de algum tempo.
"Há também uma dependência emocional, pois alguns passam a acreditar que só conseguirão dormir se tomarem o remédio", diz.
Ela conta que já atendeu pacientes que precisavam ingerir três comprimidos para pegar no sono. Daí, às 3 horas da manhã, eles acordavam e consumiam mais duas unidades. Às 5h, ocorria um novo despertar, com a necessidade de repetir a dose mais uma vez.
Poyares revela que já lidou com colegas médicos que, pela facilidade de acesso ao zolpidem, chegaram a tomar até 30 comprimidos desses por noite.
"Vemos claramente um aumento nos casos de dependência a esse medicamento", atesta.
E esse abuso traz consequências: há o risco de problemas na memória, no raciocínio e na atenção, apontam as médicas.
A melhor maneira de evitar esses estragos é sempre consultar um especialista em medicina do sono se houver alguma queixa relacionada ao descanso noturno — e, se for o caso, seguir à risca a prescrição medicamentosa adequada, em que o zolpidem só é usado por um tempo curto.
"Existem algumas bandeiras vermelhas que indicam a dependência. A principal delas ocorre quando o sujeito toma um comprimido e, depois de um tempo, começa a acordar antes ou a sentir a necessidade de aumentar a dose", exemplifica Poyares.
Para esses casos, há um tratamento que ajuda a se livrar da necessidade de engolir o comprimido para dormir.
"Não é indicado cortar o zolpidem de uma hora para outra. Nós podemos indicar classes diferentes de fármacos que fazem essa substituição aos poucos junto com a terapia cognitivo-comportamental", propõe Doria.
Sono que não aparece
O estudo EpiSono, liderado pelo Instituto do Sono, revelou que os brasileiros demoram, em média, 12 anos desde o início dos sintomas para procurar um tratamento contra a insônia.
Segundo a Associação Brasileira do Sono, esse problema afeta 73 milhões de pessoas no país.
Para Poyares, existe até um desafio em definir o que é esse transtorno.
"A insônia é caracterizada pela dificuldade de iniciar ou manter o sono e pelo despertar precoce", resume.
"Se isso acontece mais de três vezes na semana por pelo menos três meses e há um prejuízo durante o dia, com sonolência excessiva, dificuldade de concentração e irritação, temos um diagnóstico do distúrbio", complementa.
Nesse contexto, o zolpidem é apenas uma das ferramentas coadjuvantes de um processo muito mais complexo, que busca resgatar aos poucos as boas noites de descanso.
"O principal tratamento é a terapia cognitivo comportamental, que muitas vezes é conduzida por um psicólogo especialista em sono", diz Doria.
"Durante os encontros semanais entre o paciente e o terapeuta, são sugeridas mudanças de hábitos, crenças e perspectivas relacionadas ao quarto, à cama e ao dormir", descreve.
É claro que, durante as consultas, o especialista também vai detectar problemas individuais que estão por trás do bloqueio noturno — pode ser que a dificuldade no adormecer tenha a ver com uma ansiedade não tratada ou com hábitos prejudiciais, como o uso de celular minutos antes de ir para a cama e um quarto muito barulhento, por exemplo.
"Não podemos ignorar também os pacientes que necessitam de uma terapia medicamentosa", lembra Poyares.
"Mas ela precisa estar baseada no uso racional dos fármacos e na menor dose possível para obter o efeito desejado", finaliza a neurologista.
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