MDMA pode estar perto de ser aprovado no tratamento do transtorno de estresse pós-traumático nos EUA; entenda
Um novo estudo mostrou que 86,5% das pessoas tratadas com a droga tiveram redução de sintomas graves do transtorno que tem difícil tratamento
Por
Rachel Nuwer
Em The New York Times
17/09/2023 08h01 Atualizado há um mês
A terapia assistida por MDMA parece ser eficaz na redução dos sintomas do transtorno de estresse pós-traumático (TSPT), de acordo com um estudo publicado na quinta-feira. A pesquisa é o teste final conduzido pela MAPS Public Benefit Corporation, uma empresa que desenvolve psicodélicos prescritos. A empresa planeja submeter os resultados à Food and Drug Administration (FDA, órgão regulador equivalente à Anvisa nos EUA) como parte de um pedido de aprovação para comercializar MDMA, a droga psicodélica, como tratamento para transtorno de estresse pós-traumático, quando combinada com psicoterapia.
— (Se aprovada), a terapia assistida por MDMA seria o primeiro novo tratamento para o TSPT em mais de duas décadas — afirma Berra Yazar-Klosinski, autora sênior do estudo, publicado na Nature Medicine, e diretora científica da empresa. — Pacientes com TSPT podem sentir alguma esperança.
O TSPT afeta cerca de 5% da população adulta dos Estados Unidos a cada ano. Mas as terapias e medicamentos convencionais só ajudam, na melhor das hipóteses, cerca de 50% dos pacientes, explica o psiquiatra Stephen Xenakis, também diretor executivo da Associação Americana de Praticantes Psicodélicos, que não esteve envolvido no estudo.
— Minha experiência clínica é que muitos homens e mulheres perderam a esperança com tratamentos e terapias convencionais e sentem que a única saída para eles é cometer suicídio. Precisamos fazer algo mais para ajudá-los, e a terapia assistida por MDMA oferece uma nova opção que pode salvar vidas quando feita de maneira cuidadosa e profissional — diz Xenakis.
O MDMA, também conhecido como Extasy ou Molly, é uma substância ilegal desde 1985, quando a Drug Enforcement Administration o classificou como uma droga da Lista 1, colocando-o na categoria mais alta para drogas controladas que a agência considera sem uso médico e que têm um alto potencial de abuso.
Antes disso, o MDMA era administrado por cerca de centenas de terapeutas na América do Norte e na Europa para aconselhamento de casais, crescimento pessoal e para lidar com traumas.
— A grande tragédia a salientar é que estava bastante claro no final dos anos 1970 e início dos anos 1980 que o MDMA tinha um potencial terapêutico incrível — lamentou Rick Doblin, fundador da Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (MAPS), um grupo sem fins lucrativos proprietário do MAPS, completando que "todo o sofrimento desde então é enorme porque o MDMA foi criminalizado".
A MAPS tem defendido a legalização da terapia assistida por MDMA desde 1986 e apoiado pesquisas sobre seu uso no tratamento de TSPT desde 2001. O Heffter Research Institute, outro grupo sem fins lucrativos, tem feito o mesmo com a psilocibina, o ingrediente ativo dos cogumelos mágicos, desde 1993.
Em 2017, a FDA concedeu o status de “terapia inovadora” à terapia assistida por MDMA como tratamento para TSPT. A designação permite que o desenvolvimento de medicamentos experimentais promissores seja acelerado. A terapia assistida por psilocibina para depressão resistente ao tratamento recebeu status de inovação em 2018.
Os 104 participantes do novo estudo foram diagnosticados com TSPT moderado a grave e viveram com a doença por uma média de 16 anos. Eles incluíam vítimas de traumas infantis, veteranos de combate, sobreviventes de violência sexual e outros. Muitos tinham histórico de pensamentos suicidas e também sofriam de comorbidades como depressão e transtorno por uso de álcool.
Cada participante trabalhou com uma equipe de terapia de duas pessoas e recebeu três sessões preparatórias de psicoterapia de 90 minutos, seguidas de três ciclos de tratamento, com intervalo de um mês. Cada um consistia em uma sessão experimental de oito horas em que o participante tomava MDMA ou um placebo combinado com psicoterapia e depois participava de três sessões de psicoterapia de 90 minutos.
Durante as sessões experimentais, 53 participantes receberam MDMA e 51 receberam um placebo inativo. Nem os terapeutas nem os participantes foram informados quais pacientes haviam recebido o MDMA.
Os participantes do grupo que recebeu MDMA experimentaram reduções significativamente maiores nos sintomas de TSPT em comparação com aqueles do grupo que recebeu placebo, de acordo com o artigo de pesquisa.
No final do estudo, 86,5% das pessoas no grupo MDMA alcançaram uma redução mensurável na gravidade dos sintomas, relataram os investigadores. Cerca de 71 por cento no grupo MDMA melhoraram o suficiente para não preencherem mais os critérios para um diagnóstico de TSPT. Daqueles que tomaram o placebo, 69% melhoraram e quase 48% já não se qualificavam para um diagnóstico de TSPT.
As descobertas foram semelhantes aos resultados do primeiro estudo de Fase 3 da terapia assistida por MDMA para TSPT, publicado na Nature Medicine em 2021. Para os 90 participantes desse estudo, 67% do grupo que recebeu MDMA não se qualificava mais para um diagnóstico de TSPT dois meses após o tratamento, em comparação com 32% no grupo placebo.
Uma diferença notável no estudo mais recente foi a diversidade de participantes, conta Jennifer Mitchell, neurocientista da Universidade da Califórnia em São Francisco e principal autora de ambos os estudos.
Mais de um quarto dos participantes no novo estudo eram hispânicos ou latinos e cerca de 34% eram não-brancos, enquanto cerca de 9% dos participantes no estudo de 2021 eram hispânicos ou latinos e 22% eram não-brancos.
— Trabalhamos muito e arduamente para obter uma população de estudo que estivesse mais alinhada com a população geral com TEPT. Não se trata apenas de pessoas privilegiadas com muito tempo e recursos — diz a neurocientista Mitchell.
O aumento na diversidade de participantes coincidiu com um aumento no número de terapeutas negros, para 28% no novo estudo, acima dos 11% em 2021. A MAPS PBC disse que também ofereceu aos participantes transporte de e para os locais de estudo, bem como estipêndios para compensar salários perdidos ou cobrir cuidados de crianças ou idosos.
A diversidade de participantes é “certamente uma melhoria em relação aos estudos anteriores”, enfatiza Albert Garcia-Romeu, psicofarmacologista da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins que não esteve envolvido na investigação. Mas ele acrescentou que “será fundamental ver mais negros e indígenas inscritos, considerando as disparidades substanciais de saúde que esses grupos enfrentam”.
Assim como em estudos anteriores de terapia assistida por MDMA, o tratamento foi geralmente bem tolerado, de acordo com os dados apresentados sobre eventos adversos. Os efeitos colaterais comuns, principalmente para aqueles do grupo MDMA, incluíram rigidez muscular, náusea, diminuição do apetite e sudorese.
Dois participantes do grupo MDMA e um do grupo placebo tiveram graves ideações suicidas durante o estudo, mas nenhuma tentativa de suicídio foi relatada.
— As pessoas em ambos os grupos tiveram certos eventos adversos que seriam preocupantes, como o suicídio, em taxas comparáveis, embora seja notável que a maioria das pessoas no estudo já estava lutando com esses desafios de antemão — conta o psicofarmacologista Garcia-Romeu.
No geral, sete participantes também tiveram problemas cardiovasculares, incluindo batimentos cardíacos mais rápidos. Paul Summergrad, professor de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Tufts, que não esteve envolvido na pesquisa, diz que embora esses eventos “geralmente não tenham sido graves”, eles podem indicar que um cardiologista deve avaliar pacientes mais velhos ou com problemas cardíacos conhecidos, problemas antes do tratamento com MDMA.
A MAPS PBC disse que trabalhou em estreita colaboração com a FDA para determinar os métodos de estudo e o número de participantes necessários para avaliar a segurança e eficácia do novo tratamento.
A maioria dos participantes adivinhou corretamente se haviam recebido placebo ou MDMA. Este é um desafio típico da pesquisa em psiquiatria e é algo “que os autores reconhecem e fizeram todo o possível para mitigar”, esclarece Steven Zalcman, chefe do ramo de desenvolvimento de fisiopatologia e intervenções biológicas de adultos no Instituto Nacional de Saúde Mental, que não era envolvido na pesquisa.
Os investigadores estão agora a trabalhar num estudo de acompanhamento que examina a durabilidade a longo prazo dos efeitos da terapia assistida por MDMA. Os resultados dos estudos de Fase 2 patrocinados pela MAPS indicaram que os benefícios duraram pelo menos 12 meses para a maioria dos participantes que receberam o medicamento.
A MAPS PBC planeja submeter um novo pedido de medicamento ao FDA buscando aprovação para terapia assistida por MDMA. A agência, que não comenta revisões pendentes de medicamentos, poderá chegar a uma decisão dentro de um ano.
Alguns especialistas externos disseram não acreditar que os resultados do estudo atenderiam aos critérios de aprovação do FDA.
— Os benefícios no grupo ativo não foram muito maiores do que os benefícios no grupo placebo. O tratamento com MDMA acrescentaria custos enormes ao sistema de tratamento, ao mesmo tempo que proporcionaria apenas um benefício pequeno e específico e, assim, resultaria numa má alocação massiva de recursos já muito escassos — explica o professor Allen Frances, emérito de psiquiatria na Duke University.
Akua Prieto Brown, diretor médico do Alchemy Community Therapy Center em Oakland, Califórnia, que também não esteve envolvido no estudo, criticou essa “mentalidade de escassez”, e disse que o foco para os profissionais de saúde deveria em vez disso, “aumentar as opções de tratamento para uma condição que é notoriamente difícil de tratar”.
De acordo com o psiquiatra Xenakis, são de esperar divergências entre os profissionais de saúde mental já que “as mudanças tectónicas desta dimensão são perturbadoras e podem produzir mais fracturas entre os profissionais do que acordo”.
A aprovação federal para a terapia assistida por MDMA também significaria que o medicamento teria de receber uma classificação menos séria para substâncias controladas pela DEA e pelos estados.
A formação de terapeutas é outro gargalo potencial. A empresa já supervisiona o seu próprio programa de formação de terapeutas e está a trabalhar com outros parceiros, incluindo universidades, para aumentar a formação.
Os padrões e requisitos específicos que a FDA pode exigir dos prescritores, e o que a agência delinearia para as instruções de rotulagem da terapia assistida por MDMA, ainda são questões em aberto, alerta Amy Emerson, executiva-chefe da MAPS PBC.
— A terapia medicamentosa não foi aprovada antes, então não há muitos precedentes — afirma Amy.
A empresa ainda não definiu um preço para o medicamento, segundo Amy, e não administrará quanto custará o componente terapêutico.
Mas está entrando em contato com companhias de seguros, Medicaid e Medicare, para tentar garantir cobertura, explicou a executiva-chefe da MAPS PBC. O grupo também trabalha em programas de acesso de pacientes para ajudar aqueles que não têm cobertura e que não podem pagar do próprio bolso para receber descontos ou até tratamento gratuito.
— Dados os obstáculos que ainda temos pela frente, parece um pouco cedo para realmente comemorar — pontua Doblin — mas tem sido um processo muito longo e é incrível que estejamos tão longe — finalizou.
Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2023/09/17/mdma-pode-estar-perto-de-ser-aprovado-no-tratamento-do-transtorno-de-estresse-pos-traumatico-nos-eua-entenda.ghtml
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