Como o consumo de alimentos ultraprocessados pode influenciar no comportamento violento
Pesquisas indicam que a ingestão de ultraprocessados pode afetar o controle emocional e aumentar a impulsividade
Por
Carmen María León Márquez
, Em The Conversation*
11/10/2025 04h02 Atualizado agora
A tentativa de explicar as causas da violência costuma se concentrar em fatores sociais, econômicos ou psicológicos: a desigualdade, a exclusão, os traumas infantis ou o consumo de substâncias… Mas e se algo tão cotidiano quanto a alimentação também influenciasse na forma como regulamos nosso comportamento?
A presença crescente de alimentos ultraprocessados em nossa dieta, caracterizados por seu baixo valor nutricional e alto teor de açúcares adicionados, gorduras transgênicas e aditivos, está transformando nossos hábitos alimentares. E embora o impacto desses produtos em doenças metabólicas como a obesidade ou a diabetes seja amplamente documentado, pesquisas recentes sugerem que eles também podem influenciar funções cerebrais relacionadas ao controle emocional e à impulsividade — duas dimensões ligadas ao comportamento violento.
Cérebro e alimentação: uma relação complexa
Diversos estudos demonstraram que a nutrição tem um efeito direto sobre o funcionamento do sistema nervoso central. Dietas ricas em ultraprocessados e pobres em nutrientes essenciais estão associadas a alterações na microbiota intestinal, inflamação crônica e disfunções em regiões-chave, como o córtex pré-frontal, área envolvida no controle de impulsos e na tomada de decisões.
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Por exemplo, um estudo publicado no The American Journal of Psychiatry constatou que hábitos de vida pouco saudáveis, como uma dieta deficiente em nutrientes essenciais e a falta de atividade física, estão associados a um aumento de marcadores inflamatórios, que podem afetar negativamente a saúde mental.
Do ponto de vista psicológico, diversos trabalhos têm relacionado o consumo habitual de ultraprocessados a sintomas como impulsividade, hostilidade e mal-estar emocional.
Assim, um estudo longitudinal realizado em 2019 com adultos com sobrepeso e síndrome metabólica revelou que níveis mais altos de impulsividade estavam relacionados a uma menor adesão a padrões alimentares saudáveis e a uma maior preferência por dietas ocidentais, caracterizadas pelo consumo de ultraprocessados ricos em gorduras transgênicas e açúcares.
Embora esses fatores não impliquem diretamente em violência, aumentam a probabilidade de sua ocorrência, especialmente em contextos de vulnerabilidade.
Como exemplo, um estudo com adolescentes espanhóis descobriu que um maior consumo de alimentos ultraprocessados estava associado a um aumento de dificuldades emocionais e comportamentais, como ansiedade, problemas de atenção e comportamentos disruptivos. Embora os resultados sejam correlacionais (ou seja, não permitem estabelecer uma relação de causa e efeito), eles sugerem que certos hábitos alimentares podem afetar a estabilidade emocional e a capacidade de autorregulação, elementos-chave no surgimento de condutas conflituosas.
Intervenções nutricionais em ambientes prisionais
Mas será que a alimentação pode promover diretamente comportamentos violentos? Alguns estudos pioneiros exploraram essa relação em contextos controlados, como nas prisões.
Em um dos primeiros ensaios clínicos realizados no Reino Unido, pesquisadores administraram suplementos nutricionais (vitaminas, minerais e ácidos graxos essenciais) a um grupo de jovens adultos em prisão. Os resultados foram surpreendentes: os que receberam os suplementos cometeram 26,3% menos infrações disciplinares em comparação com o grupo placebo. Além disso, entre os participantes que tomaram os suplementos por pelo menos duas semanas, a redução média chegou a 35,1%.
Esse estudo foi replicado anos depois nos Países Baixos, com uma amostra maior, obtendo resultados semelhantes: a administração de suplementos reduziu significativamente as infrações disciplinares nas prisões. A hipótese que sustenta esses achados é que uma melhor ingestão de nutrientes favorece um funcionamento cerebral mais equilibrado, melhorando a autorregulação e diminuindo a reatividade emocional.
É importante ressaltar que essas pesquisas não afirmam que uma alimentação de baixa qualidade nutricional cause diretamente a violência, mas que pode atuar como um fator modulador do comportamento, especialmente em indivíduos com condições pré-existentes de impulsividade, estresse crônico ou deterioração emocional.
Ultraprocessados e padrões de consumo aditivo
Parte do problema é que os alimentos ultraprocessados não apenas têm baixo valor nutricional, mas também podem gerar padrões de consumo aditivo. Seu design industrial, hiperpalatável (muito agradável ao paladar), com combinações específicas de aditivos artificiais, gorduras transgênicas e açúcares adicionados, ativa os circuitos de recompensa do cérebro da mesma forma que certas substâncias psicoativas, como a cocaína.
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Isso pode levar a uma relação complexa, marcada pela compulsividade e pela falta de controle sobre o consumo desses produtos.
Um caminho para a prevenção
Se o que comemos influencia nossa regulação emocional, então a nutrição poderia ser uma ferramenta complementar na prevenção do comportamento violento. Essa ideia já vem sendo aplicada em alguns contextos, desde programas-piloto em prisões até intervenções em escolas localizadas em áreas vulneráveis, com o objetivo não apenas de melhorar a saúde física, mas também o bem-estar socioemocional.
Não se trata de cair em reducionismos: a violência é um fenômeno complexo, e nenhum enfoque isolado pode explicá-la ou erradicá-la. No entanto, ignorar o papel da alimentação seria omitir um fator importante na análise criminológica.
Então, somos o que comemos?
Talvez não totalmente, mas mais do que imaginamos. Nossa alimentação influencia diretamente a forma como pensamos, sentimos e agimos. Em um mundo onde os ultraprocessados predominam na dieta de milhões de pessoas, talvez devêssemos começar a nos perguntar se parte da violência que nos cerca pode estar sendo gerada, silenciosamente, em nossos pratos.
* Carmen María León Márquez é professora e pesquisadora em Criminologia na Universidade de Castilla-La Mancha.
* Este artigo foi republicado de The Conversation sob licença Creative Commons. Leia o original.
Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2025/10/11/como-o-consumo-de-alimentos-ultraprocessados-pode-influenciar-no-comportamento-violento.ghtml
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