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A era do 'brain rot': como a IA e as redes sociais contribuem para o enfraquecimento cognitivo
Estudos acadêmicos mostram que pessoas que dependem de chatbots e ferramentas de busca com IA para tarefas como redação e pesquisa geralmente têm desempenho pior do que aquelas que não usam
Por
Brian X Chen
, Em The New York Times — Nova York
08/11/2025 04h00 Atualizado há 2 dias
Na primavera passada nos EUA, Shiri Melumad, professora da Wharton School da Universidade da Pensilvânia, deu a um grupo de 250 pessoas uma tarefa simples de redação: compartilhar conselhos com um amigo sobre como levar um estilo de vida mais saudável.
Para elaborar as dicas, alguns puderam usar uma pesquisa tradicional no Google, enquanto outros tiveram que se basear apenas em resumos gerados automaticamente pela inteligência artificial do Google.
As pessoas que usaram os resumos criados por IA escreveram conselhos genéricos, óbvios e em grande parte inúteis - coma alimentos saudáveis, mantenha-se hidratado e durma bastante!
Já os que buscaram informações com a pesquisa tradicional do Google compartilharam conselhos mais sutis e detalhados, focando nos diversos pilares do bem-estar, incluindo a saúde física, mental e emocional.
A indústria de tecnologia nos diz que os chatbots e as novas ferramentas de busca com IA vão turbinar a forma como aprendemos e prosperamos, e que qualquer um que ignore essa tecnologia corre o risco de ficar para trás.
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Mas o experimento de Melumad, assim como outros estudos acadêmicos publicados até agora sobre os efeitos da IA no cérebro, mostrou que as pessoas que dependem fortemente de chatbots e ferramentas de busca com IA para tarefas como redação e pesquisa geralmente têm desempenho pior do que aquelas que não usam essas ferramentas.
“Estou bastante assustada, para ser sincera”, disse Melumad. “Estou preocupada com os mais jovens que já não sabem como fazer uma pesquisa tradicional no Google”, disse.
Bem-vindo à era do “brain rot” (apodrecimento cerebral) — o termo usado como gíria para descrever o estado mental deteriorado causado pelo consumo de conteúdo de baixa qualidade na internet.
Quando a Oxford University Press, editora do Oxford English Dictionary, elegeu brain rot como a palavra do ano em 2024, a definição se referia a como aplicativos de mídia social como TikTok e Instagram deixaram as pessoas viciadas em vídeos curtos, transformando seus cérebros em mingau.
A pergunta sobre se a tecnologia torna as pessoas mais burras é tão antiga quanto a própria tecnologia. Sócrates criticava a invenção da escrita por enfraquecer a memória humana.
Em 2008, muito antes do surgimento dos resumos de IA, a revista The Atlantic publicou um ensaio intitulado “O Google está nos tornando estúpidos?”.
Essas preocupações, no entanto, acabaram se mostrando exageradas.
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Mas a crescente desconfiança da academia em relação ao impacto da IA na aprendizagem (além das preocupações mais antigas sobre a natureza distrativa dos aplicativos de mídia social) é uma notícia preocupante para um país cujo desempenho em compreensão de leitura já está em declínio acentuado.
Neste ano, as notas de leitura entre crianças, incluindo alunos do oitavo ano e do ensino médio, atingiram novos patamares de baixa.
Os resultados, obtidos a partir da Avaliação Nacional do Progresso Educacional (National Assessment of Educational Progress), amplamente considerada o exame mais confiável e de padrão ouro do país, foram os primeiros publicados desde a pandemia de Covid-19, que interrompeu a educação e aumentou o tempo de tela entre os jovens.
Pesquisadores estão preocupados que as evidências estejam crescendo em torno de uma ligação poderosa entre o desempenho cognitivo mais baixo e o uso de IA e redes sociais.
Além de estudos recentes que encontraram uma correlação entre o uso de ferramentas de IA e o declínio cognitivo, um novo estudo liderado por pediatras descobriu que o uso de redes sociais estava associado a um desempenho inferior entre crianças em testes de leitura, memória e linguagem.
Aqui está um resumo das pesquisas realizadas até agora — e de como usar a IA de uma forma que fortaleça, e não deteriore, o cérebro.
Quando escrevemos com o ChatGPT, estamos realmente escrevendo?
O estudo mais destacado deste ano sobre os efeitos da inteligência artificial no cérebro veio do Massachusetts Institute of Technology (MIT), onde pesquisadores buscaram entender como ferramentas como o ChatGPT, da OpenAI, podem afetar a forma como as pessoas escrevem.
O estudo, que envolveu 54 estudantes universitários, teve uma amostra pequena, mas seus resultados levantaram questões importantes sobre se a IA pode sufocar a capacidade de aprendizado das pessoas.
(O New York Times processou a OpenAI e sua parceira Microsoft, alegando violação de direitos autorais de conteúdo jornalístico usado em sistemas de IA. As duas empresas negam as acusações.)
Em parte do experimento, os estudantes foram convidados a escrever um ensaio de 500 a 1.000 palavras, e foram divididos em três grupos:
Os estudantes usaram sensores que mediam a atividade elétrica do cérebro.
Os usuários do ChatGPT apresentaram os níveis mais baixos de atividade cerebral, o que não foi surpreendente, já que deixaram o chatbot de IA fazer parte do trabalho.
Mas a revelação mais marcante veio depois que os alunos terminaram o exercício de escrita.
Um minuto após concluírem os ensaios, os pesquisadores pediram que os participantes citassem qualquer trecho de seus próprios textos. A grande maioria dos usuários do ChatGPT (83%) não conseguiu se lembrar de uma única frase.
Ao contrário, os estudantes que usaram o Google conseguiram citar alguns trechos, e aqueles que não usaram nenhuma tecnologia foram capazes de recitar várias partes, com alguns até reproduzindo quase todo o texto de memória.
“Passou apenas um minuto, e você realmente não consegue dizer nada?”, disse Nataliya Kosmyna, cientista do MIT Media Lab que liderou o estudo, sobre os usuários do ChatGPT.
“Se você não se lembra do que escreveu, você não sente que o texto é seu. Será que você realmente se importa?”
Embora o estudo tenha se concentrado na escrita de ensaios, Kosmyna disse estar preocupada com as implicações para pessoas que usam chatbots de IA em áreas onde a retenção é essencial, como pilotos estudando para obter licença.
Ela afirmou que é urgente realizar mais pesquisas sobre como a IA afeta a capacidade das pessoas de reter informações.
As redes sociais podem estar associadas a notas mais baixas em leitura
Nos últimos dois anos, escolas em estados como Nova York, Indiana, Louisiana e Flórida têm corrido para proibir o uso de celulares em sala de aula, citando preocupações de que os alunos estariam se distraindo com aplicativos de redes sociais como TikTok e Instagram.
Dando força a essas proibições, um estudo publicado no mês passado encontrou uma forte ligação entre o uso de redes sociais e um desempenho cognitivo mais fraco.
No mês passado, a revista médica JAMA publicou um estudo conduzido pela Universidade da Califórnia, em São Francisco.
O Dr. Jason Nagata, pediatra que liderou a pesquisa, e seus colegas analisaram dados do projeto ABCD (Adolescent Brain Cognitive Development) — um estudo que acompanhou mais de 6.500 jovens entre 9 e 13 anos, de 2016 a 2018.
Todas as crianças foram entrevistadas uma vez por ano sobre quanto tempo passavam nas redes sociais.
A cada dois anos, elas faziam diversos testes cognitivos.
Por exemplo, em um teste de vocabulário visual, os participantes precisavam associar corretamente imagens às palavras que ouviam.
Os dados mostraram que as crianças que relataram usar redes sociais de forma leve (cerca de uma hora por dia) até intensa (três horas ou mais por dia) tiveram pontuações significativamente mais baixas em testes de leitura, memória e vocabulário do que aquelas que disseram não usar redes sociais.
Quanto aos motivos pelos quais aplicativos como TikTok e Instagram poderiam prejudicar as notas, a única conclusão segura, segundo Nagata, é que cada hora que uma criança passa rolando o feed desses aplicativos é uma hora a menos dedicada a atividades mais enriquecedoras — como ler ou dormir.
Quais são algumas formas mais saudáveis de usar redes sociais e IA?
Apesar de os estudos indicarem uma correlação entre o uso de redes sociais e o declínio cognitivo, seria difícil recomendar uma quantidade ideal de tempo de tela para os jovens, porque muitas crianças passam tempo em frente a telas fazendo atividades não relacionadas às redes sociais, como assistir a programas de TV, disse Nagata.
Em vez disso, ele sugeriu que os pais criem zonas livres de telas, proibindo o uso de celulares em locais como o quarto e a mesa de jantar, para que as crianças possam manter o foco nos estudos, no sono e nas refeições.
A Meta não respondeu a um pedido de comentário. Um porta-voz do TikTok se referiu a uma página com instruções para configurar o “Time Away”, uma ferramenta para que os pais criem horários nos quais os adolescentes podem usar o aplicativo.
Quanto aos chatbots de IA, houve um detalhe interessante no estudo do MIT que apresentou uma possível solução sobre como as pessoas poderiam usar os chatbots de forma mais eficaz para aprender e escrever.
Eventualmente, os grupos do estudo inverteram os papéis:
Os alunos que originalmente usavam apenas o cérebro apresentaram a maior atividade cerebral quando puderam usar o ChatGPT.
Já os que haviam usado o ChatGPT desde o início nunca alcançaram o mesmo nível de desempenho que o primeiro grupo quando ficaram restritos a usar apenas a mente, disse Kosmyna.
Isso sugere que quem deseja usar chatbots para escrever e aprender deve começar o processo sozinho antes de recorrer às ferramentas de IA posteriormente, para revisões — algo parecido com estudantes de matemática que usam calculadoras apenas depois de aprender fórmulas e equações com lápis e papel.
Tanto o Google quanto a OpenAI não comentaram sobre o assunto.
Melumad disse que o problema dessas ferramentas é que elas transformam um processo ativo do cérebro — navegar por links e clicar em fontes confiáveis para leitura — em um processo passivo, ao automatizar toda essa etapa.
Portanto, talvez a chave para usar a IA de maneira mais saudável, disse ela, seja ser mais consciente na forma como a utilizamos.
Em vez de pedir a um chatbot que faça toda a pesquisa sobre um tema amplo, Melumad sugeriu usá-lo como parte do processo de pesquisa, para responder perguntas pequenas, como consultar datas históricas.
Mas, para um aprendizado mais profundo sobre um assunto, vale a pena ler um livro.
Fonte:https://oglobo.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2025/11/08/a-era-do-brain-rot-como-a-ia-e-as-redes-sociais-contribuem-para-o-enfraquecimento-cognitivo.ghtml?i
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