CONSCIÊNCIA QUÂNTICA OU CONSCIÊNCIA CRÍTICA-ROBERTO J.M. COLOVAN E SAM PARNIA




       
O advento da Física Quântica causou e tem causado enormes transformações na vida de todos nós. Nem sempre e nem todos estamos conscientes dos modos pelos quais uma revolução científica iniciada há cem anos pode nos afetar ainda hoje, mas provavelmente já ouvimos falar de seu impacto na evolução da própria Física e de toda controvérsia gerada pelas dificuldades conceituais de interpretação dos fenômenos quânticos . Seus efeitos, porém, se estenderam para além da Física, 
  • com desdobramentos importantes na Química, com a teoria de orbitais quânticos e suas implicações para as ligações químicas, 
  • e na Biologia, com a descoberta da estrutura do DNA e a inauguração da genética molecular, apenas para citar dois exemplos.
        Mesmo conscientes disso tudo, estaríamos preparados para mais essa:
  • para a possibilidade de que a própria consciência possa operar com base em princípios ou efeitos quânticos?
        Pois é o que andam conjecturando algumas das mentes mais brilhantes de nosso tempo... e alguns franco-atiradores também. A descoberta do mundo quântico, que tanto impacto teve nas ciências e tecnologias, ameaça agora envolver o "etéreo" universo da psique.
        É preciso dizer desde logo que, na verdade, essa história não é assim tão nova. Desde o início de sua formulação, a Física Quântica apresentou uma dificuldade essencial: a necessidade de se atribuir um papel fundamental para a figura do observador (aquele que está realizando um experimento quântico). Isso decorre do fato da teoria quântica ser de caráter não determinístico, ou seja, trata-se de uma teoria para a qual a fixação do estado inicial de um sistema quântico (um átomo, por exemplo) não é suficiente para determinar com certeza qual será o resultado de uma medida efetuada posteriormente sobre esse mesmo sistema. Pode-se, contudo, determinar a probabilidade de que tal ou qual resultado venha a ocorrer. Mas, quem define o que estará sendo medido e tomará ciência de qual resultado se obtém-se com uma determinada medida é o observador. Com isso, nas palavras de E. P. Wigner, "foi necessária a consciência para completar a mecânica quântica".

A teoria dos processos quânticos criada por Stuart Hameroff, um anestesista da Universidade do Arizona, e Roger Penrose, matemático da Universidade de Cambridge baseia-se no princípio de que há dois níveis de explicação na fisica:
  • o nível clássico familiar, usado para descrever objetos em larga escala,
  • e o nível quântico, que descreve pequenos eventos num nível subatômico.
        No nível quântico, estados superimpostos são possíveis, isto é, duas possibilidades podem existir para qualquer evento ao mesmo tempo, mas no nível clássico ou um ou outro pode existir. Então, por exemplo, podemos ir ou para a esquerda ou para a direita, mas não para ambas as direções. Quando fazemos uma observação, estamos trabalhando no nível clássico, portanto embora existam processos subatômicos ocorrendo ao mesmo tempo, com o potencial de diferentes estados superimpostos, quando fazemos uma observação, os estados superimpostos têm de formar um só. 
        Hameroff e Penrose propõem que a consciência nasce de estruturas minúsculas semelhantes a tubos minúsculos, feitas de proteína, que existem em todas as células_no_corpo, incluindo as do cérebro, e atuam como um esqueleto que permite às células manterem suas formas. Eles dizem que estas pequenas estruturas são o lugar de processos quânticos no cérebro, devido à sua estrutura e forma. Os cientistas argumentam que a consciência não é produto da célula_cerebral direta à atividade celular, mas na verdade a ação de processos subatômicos ocorrendo no cérebro. (Ver: Bióforos) 
        Para fundamentar sua teoria, eles acrescentam que existem organismos de célula única, como as amebas, que, a despeito de não possuírem células cerebrais ou sinapses, possuem consciência e são capazes de nadar, encontrar comida, aprender e se multiplicar através dos microtubos. Assim, eles sugerem que uma estrutura mais avançada leve à consciência.
        Hameroff e Penrose propõem que a consciência pode nascer de processos quânticos subatômicos que ocorrem nas estruturas proteicas dos microtubos. Eles afirmam que estas estruturas semelhantes a tubos passam por trocas entre dois ou mais estados, devido à ação de forças de atração química fracas, um processo que ocorre em nanossegundos. É sabido que as mudanças de conformação dos microtubos podem promover os processos clássicos de informação, transmissão e aprendizagem dentro dos neurônios. Por conseguinte, Hameroff e Penrose afirmam que, devido a estes processos, a qualquer hora podem ocorrer haver vários estados quânticos e possibilidades, e quando uma decisão é tomada, ela é o resultado do colapso de um estado, que então alcança a consciência. Isto é a chamada a teoria da Redução Objetiva Orquestrada (Orch OR, em inglês).

     Entretanto, outros pesquisadores têm se oposto à teoria Orch OR, ao apontar que os microtubos existem em células de todo o corpo, e não apenas do cérebro. Além disso, existem drogas que podem danificar a estrutura dos microtubos, mas parecem não ter nenhum efeito na consciência. O mais importante, contudo é que, embora a teoria Orch OR possa explicar como o cérebro realiza problemas matemáticos complexos, ela ainda não explica a questão fundamental de como as experiências subjetivas e os processos de pensamento surgem.
        Essa limitação das teorias levou à sugestão de que a consciência pode ser na verdade uma entidade científica irreduzível, semelhante a muitos dos conceitos da física, como massa e gravidade, que também são entidades que não podem ser reduzidas. A investigação da consciência foi então considerada semelhante à descoberta dos fenômenos_
etromagnéticos no século XIX, ou a mecânica quântica no século XX, ambos inexplicáveis pelos princípios previamente conhecidos.
  • Alguns, como David Chalmers, argumentaram que esta nova entidade científica irredutível é um produto do cérebro,
  • enquanto outros discutiram que trata-se de uma entidade completamente separada não produzida por ele.
        O falecido sir John Eccles, neurocientista vencedor do prêmio Nobel de medicina em 1963, por seu trabalho sobre as conexões celulares, e considerado por muitos um dos grandes neurocientistas no mundo, foi talvez o mais ilustre cientista que argumentou em favor da separação entre a mente, a consciência e o cérebro. Ele argumentava que...
  • a unidade de experiência consciente era fornecida pela mente,
  • e não por mecanismos neuronaís do cérebro. Sua interpretação era a de que a própria mente possuía um papel ativo na atividade de seleção e integração das células cerebrais, e as moldava em uma entidade única. Ele considerava um erro achar que o cérebro fizesse tudo, e que as experiências de consciência eram simplesmente reflexo das atividades cerebrais, que ele descreveu como uma visão filosófica comum:
    • “Se assim o fosse, nossos ‘eus’ conscientes seriam nada menos do que espectadores passivos das performances realizadas pelo mecanismo neuronal do cérebro. Nossa crença de que realmente podemos tomar decisões e de que temos controle sobre algumas de nossas ações seria apenas ilusão.” (Ver: Livre-arbítrio)
        Mais tarde ele argumenta que havia “uma combinação de duas coisas ou entidades:
  • nossos cérebros de um lado,
  • nossos ‘eus' conscientes de outro”. Ele achava que o cérebro era um “instrumento que fornecia o eu consciente ou pessoa, com linhas de comunicação para o mundo externo, e faz isso ao receber informação por um imenso sistema sensorial de milhões de fibras nervosas que disparam impulsos ao cérebro, onde são processados em padrões codificados de informação que lemos de tempos em tempos ao produzirmos todas as nossas experiências — nossas percepções, pensamentos, idéias e memórias.”
    • De acordo com Eccles:  “Nós, como pessoas que experienciam, não aceitamos tudo o que nos é fornecido por nosso instrumento, a máquina neuronal de nosso sistema sensorial e o cérebro, nós selecionamos de tudo o que nos é fornecido de acordo com o interesse e a atenção, e modificamos as ações do cérebro, através do ‘eu’, por exemplo, ao iniciar algum movimento deliberado.”
        A teoria de Eccle foi bem descrita em seu livro The Self and Its Brain. Entretanto, ele reconheceu que ainda não era capaz de explicar como a mente realizava estas atividades e como interagia com um cérebro separado. Neste ponto, ele foi criticado por outros pesquisadores.
        Em uma série de livros e palestras dadas na Sorbonne, em Paris, Bahram Elahi, especialista em cirurgia e anatomia, interessado pelo tema da consciência, argumentou que, embora a 
mente_e_o_cérebro sejam separados, a_mente,_ou_a_consciência,_não_é_algo_imaterial. Ao contrário, é composta de um tipo de matéria muito sutil que, embora ainda não-descoberta, é conceitualmente semelhante às ondas eletromagnéticas, que são capazes de carregar sons e figuras, e são governadas por leis, axiomas e teoremas precisos.
        Por conseguinte, na visão de Elahi, tudo relacionado a esta entidade deve ser considerado como uma disciplina científica não-descoberta, e estudada da mesma maneira objetiva que outras disciplinas científicas. Ele argumenta que, já que a ciência é um método experimental e sistemático de obter conhecimento do domínio de uma dada realidade, então a “
consciência” também pode e deveria ser estudada com a mesma objetividade. Cada disciplina científica, como química, biologia e fisica, possui suas próprias leis, teoremas e axiomas, e, da mesma forma, a “consciencia" também deve ser estudada no contexto de suas próprias leis, teoremas e axiomas. Para ele, a consciência também é uma entidade científica e um tipo de matéria, entretanto, é uma substância sutil demais para ser medida utilizando as ferramentas científicas disponíveis hoje. Por isso, o cérebro, de acordo com ele, é um instrumento que retém informação de dentro e de fora, dos mundos interno e externo, mas a "consciência" é uma entidade científica sutil separada que interage diretamente com ele. (Ver: Ação_mentomagnética)
        Isso me pareceu uma maneira muito diferente de abordar o problema da consciência. Essencialmente, o que Eccles e Elahi pareciam estar dizendo era que a consciência era uma entidade separada do cérebro, interagindo com ele, mas não necessariamente produzida por ele. Essa visão, bastante dualista, estava mais em sintonia com as de filósofos como Descartes, e não com as dos cientistas modernos; entretanto, devido à falta de mecanismos biológicos plausíveis para demonstrar a consciência sendo formada por atividades cerebrais, ela deveria ser considerada...

        ...Talvez a consciência também não fosse reduzível aos mecanismos atualmente compreendidos de atividade de células_cerebrais, e sua verdadeira natureza apenas pudesse ser descoberta quando nossa ciência avançasse um pouco mais, mas a grande questão para o estudo agora era...
  • se a consciência era ou não produzida pelo cérebro,
  • ou uma entidade separada.
        Ao final de meu estudo da literatura sobre a natureza da consciência, cheguei à conclusão de que teríamos que aceitar...
  • a visão mais ampla de que a mente e a consciência são produtos de atividade de células cerebrais,
  • ou a visão de que formam uma entidade separada ainda não descoberta.
        De qualquer modo, não parecia que tínhamos as ferramentas científicas para medir a mente ou a consciência, ou seja, era necessária uma maneira para estudá-los em sua relação com o cérebro indiretamente. Até agora, não havia nenhum modo de se testar quaisquer destas teorias experimentalmente. Talvez estudar o estado da mente humana durante uma parada cardíaca (Ver: EQM) ajudasse a descobrir o mistério. Isto parecia ser a única vez em que poderíamos estudar o estado da mente humana num momento em que a circulação para o cérebro havia cessado a um ponto onde não havia atividade elétrica possível de ser gravada nos centros de cérebro. Ainda assim, se a consciência verdadeiramente continuava e pudesse ser demonstrada objetivamente, como muitos afirmaram, isto com certeza seria uma descoberta significativa a respeito da natureza da consciência e o estado da mente humana no final da vida.

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