DOS REMÉDIOS CONTROLADOS AO LSD: AS DROGAS DA EFICIÊNCIA

  

Drogas (Foto: Thinkstock)

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Dos remédios controlados ao LSD: as drogas da eficiência

A mania surgiu no Vale do Silício e se espalhou por empresas do mundo todo: mulheres estão buscando nos aditivos químicos maneiras de aumentar a produtividade, a empatia, e ganhar energia para dar conta da dupla jornada. Marie Claire experimentou um desses medicamentos e conversou com adeptas dessa nova – e controversa – moda

  • MARIA LAURA NEVES
 ATUALIZADO EM 

Segunda-feira, 8 e 20 da manhã. Tomei o comprimido de Venvanse, uma anfetamina usada para tratar déficit de atenção que virou mania entre as executivas que trabalham nos escritórios da margem do Rio Pinheiros, em São Paulo, e nas promissoras startups do Vale do Silício, nos Estados Unidos. Consegui o exemplar com uma médica que o toma e conhece meu histórico de saúde. A ideia era sentir na pele os efeitos dos estimulantes que essas mulheres andam usando para aumentar o foco, a eficiência e a produtividade em tempos bicudos no trabalho. Uma hora depois de ingerir a pequena cápsula laranja e branca, comecei a sentir seus efeitos: boca seca, os sentidos aguçados e a certeza de que minhas baterias estavam carregadas. Nada mais adequado para um começo de semana. O trabalho começou cedo no grupo de WhatsApp com as tarefas que o time teria que cumprir naquele dia. Não senti nenhuma ansiedade diante da quantidade de missões que se somavam na lista mental de afazeres. Pelo contrário, as metas traziam bem-estar.

Durante o almoço, as conversas amenas entre os colegas não prenderam minha atenção e aproveitei para resolver pendências pelo celular. À tarde, escrevi quatros briefings para uma colaboradora, pautei, editei e publiquei o texto de outra em menos de duas horas (processo que costuma demorar dois dias). No fim da tarde, um sintoma esquisito. Os sinais de enxaqueca começaram a se manifestar: dor de cabeça latejante, arrepios no couro cabeludo, estrelinhas na visão, lividez. Depois de um analgésico, a sensação ruim se foi. Fiz uma entrevista e terminei uma reunião às 11 da noite. Eu me sentia cansada e lembrei que a última refeição tinha sido uma leve salada à 1 da tarde. Sob os efeitos do Venvanse, perdi a fome, o que – quem me conhece sabe – é raríssimo. Também esqueci de avisar em casa que chegaria tarde, para desespero do marido. Minhas colegas de trabalho não perceberam nenhuma alteração no meu comportamento. Apenas minha chefe disse que eu estava mais assertiva.

À noite, o pesadelo. Só consegui pegar no sono às 2 e meia da madrugada, com dores nas articulações dos dedos de tanto navegar no telefone para passar o tempo. Às 3 e meia acordei sobressaltada, com um fluxo intenso de pensamentos, angustiada com a perspectiva da madrugada insone e a certeza de que não pregaria os olhos antes das 6, como de fato aconteceu. Às 7, quando finalmente engatei no sono profundo, meu filho caçula acordou e me despedi de qualquer possibilidade de descanso. Exausta, levantei irritada e incapaz de dar a atenção que ele exigia. Acabei brigando com o pequeno por um motivo bobo e, além do mau humor, me senti extremamente culpada. Durante toda a terça-feira fiquei tomada por mal-estar, cansaço, falta de concentração e letargia. Tudo o que produzi no dia anterior não foi suficiente para compensar minha incapacidade na terça-feira.

Apesar de desconfortáveis, a insônia, o enjoo e a dor de cabeça foram efeitos colaterais leves perto do que o Venvanse pode causar em pacientes que o tomam sem acompanhamento médico. Os mais graves podem ser morte súbita, acidente vascular cerebral e convulsões, além de uma enorme probabilidade de gerar dependência. E, embora tenha produzido muito no trabalho sob o efeito do remédio – e quase nada no dia seguinte –, me senti cansada, sem energia, em dívida com as pessoas que amo. Definitivamente, para mim, o estimulante não funciona e cobra um preço muito caro para o que promete. Mesmo porque, acredito, sucesso não é pontuar (apenas) no trabalho.

Mas é em busca dessa promessa que brasileiras estão tomando remédios usados originalmente para tratar déficit de atenção, hiperatividade e narcolepsia. Com o objetivo de aumentar a concentração e a memória, buscam informações sobre as drogas em fóruns no Facebook, onde o assunto é discutido sem cerimônia. É lá também que encontram os traficantes. Na tentaiva de conversar com mulheres que pudessem contar suas experiências com os medicamentos, Marie Claire passou 20 dias circulando por essas comunidades. Nesse período, a reportagem foi banida de dois grupos quando os administradores souberam que a pesquisa se tratava de uma investigação jornalística. Não é preciso muito esforço para saber quem ali vende os remédios controlados sem receita, o que configura crime de tráfico de drogas, segundo a legislação brasileira. A reportagem também foi bloqueada e impedida de enviar mensagens inbox para desconhecidos durante 24 horas – uma estratégia da rede para evitar spams. Ainda assim, conseguiu contatar 300 usuárias na tentativa de colher seus depoimentos, garantindo que suas identidades seriam preservadas. Apenas seis toparam contar as histórias sob anonimato.

Uma delas foi a empresária baiana Marcela**, 29 anos, que descobriu o Modafinil, droga mais conhecida como “moda” ou “a pílula da inteligência” e princípio ativo do Stavigile, em 2013. Ela trabalhava e fazia mestrado em engenharia quando sua irmã foi diagnosticada com um câncer raro e precisou de seus cuidados. “Não me sobravam mais do que duas horas para dormir”, conta. Decidiu, então, comprar o remédio com o traficante que abastecia seus colegas de faculdade. Foi ele quem explicou quanto e como deveria tomá-lo. “A dificuldade foi o preço: três vezes maior do que na farmácia”, diz. Ela afirma que a disposição veio imediatamente. “Era como se não precisasse descansar, estava sempre esperta. As pessoas se espantavam com meu rendimento. Numa semana de muito trabalho, fiquei dias sem dormir. Não parava nem para comer. Colocava lanches na bolsa e só me lembrava deles quando começavam a cheirar mal.” Os problemas, conta, surgiram quando decidiu interromper o uso com medo de ficar dependente da droga, em 2015. “Desde então, durmo quatro horas por noite quando estou muito cansada. Se não, menos. Fiquei mais agitada e com uma dificuldade imensa de me concentrar, principalmente quando me deparo com questões intelectualmente desafiadoras.”


“Minhas colegas não perceberam nenhuma mudança. Apenas minha chefe disse que eu estava mais assertiva naquele dia”"

Maria Laura Neves, jornalista

Uma das consequências do uso indiscriminado do Modafinil, explica a médica Jerusa Smid, do departamento de neurologia cognitiva e do envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia, é o transtorno de ansiedade generalizada, cujos sintomas incluem inquietação, dificuldade de concentração e perturbação do sono. O psiquiatra Dartiu Xavier, coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) da Unifesp, adverte que o rendimento de quem ingere psicoestimulantes pode até melhorar pontualmente porque a pessoa fica acordada e pode dedicar mais tempo ao estudo e ao trabalho, mas não vai torná-la mais inteligente. “Quando o indivíduo se mantém desperto artificialmente, o aprendizado é de baixa qualidade. O sono é fundamental para a consolidação da memória”, afirma. Ele também alerta para o fato de que, sem acompanhamento médico, os usuários podem correr sérios riscos de efeitos colaterais. “Comparadas com as antigas anfetaminas, são mais seguras, mas ainda os têm”, completa.

Drogas (Foto: Thinkstock)

Drogas (Foto: Thinkstock)

Uma onda lisérgica Nem só de estimulantes como Venvanse e Modafinil são feitos os novos dopings intelectuais. Também no Vale do Silício, executivas têm tomado microdoses de LSD para aumentar a criatividade e a empatia no trabalho. As doses são tão pequenas que não causam alucinações, mas, segundo as usuárias, são suficientes para aumentar a empatia e ampliar a percepção. A vendedora Katherine**, 26 anos, decidiu aderir às pequenas quantidades diárias de LSD no ano passado, quando começou a trabalhar como vendedora em uma startup. “Minha intenção era melhorar minha relação com as outras pessoas”, disse à Marie Claire Austrália. Anotou todas as sensações em um diário: “calor no estômago hoje”, “um pouco desajeitada enquanto cozinho”, além de uma piora nas condições motoras e de concentração. Por outro lado, ela, que fazia cerca de 120 ligações diárias para apresentar o produto a potenciais compradores, disse que as vendas aumentaram depois do ‘ácido’. Katherine credita esse aumento ao fato de que a droga fez com conseguisse “ler” melhor os clientes. “Aumentou meu leque de compatibilidades. Com os mais durões, por exemplo, fiquei mais doce, mesmo sem perceber que estava agindo dessa maneira.” A americana não escondeu o hábito dos colegas nem de sua mãe. Só o chefe é que não estava a par da nova prática.

Os estudos que mensuram a eficácia e os danos do LSD na mente humana são escassos, uma vez que a substância é proibida. Algumas pesquisas de universidades americanas e suíças feitas com pacientes terminais mostram que a substância é capaz de diminuir consideravelmente a ansiedade existencial. O pesquisador Matthew W. Johnson, da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, diz que os psicodélicos não causam dependência. Mas, como qualquer droga vendida na ilegalidade, é impossível saber a pureza da substância dos comprimidos e, portanto, como dosá-la. “As pessoas estão tomando no dia a dia e correm riscos por causa disso. Elas dirigem e tomam decisões importantes no trabalho sob o efeito das drogas”, afirma. “Além disso, não tenho certeza de que essas microdoses tragam algum tipo de benefício. Para mim, é mais um efeito placebo”, conclui. Para o psiquiatra brasileiro Luiz Sperry Cezar, consumir LSD no Brasil envolve outros riscos. “Os ‘ácidos’ vendidos no Brasil muitas vezes não têm LSD e apenas anfetamina em sua composição”, diz. Ele também afirma que, embora essa seja uma droga relativamente segura, há casos na literatura em que é associada a surtos psicóticos. Já a americana Katherine, por sua vez, não pensa em parar de tomar seus psicodélicos. Sobre isso, ela diz: “Quando eu receber uma mensagem [do meu corpo], saberei que é hora de desligar o telefone”.

* Com reportagem de Solange Azevedo
** Nomes trocados a pedido das entrevistadas

Fonte:https://revistamarieclaire.globo.com/Comportamento/noticia/2017/11/dos-remedios-controlados-ao-lsd-drogas-da-eficiencia.html


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