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Autismo: o que diz a nova diretriz para diagnóstico e tratamento
Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI) publicou novo documento em que aconselha os profissionais sobre como identificar o quadro e orienta quais terapias têm comprovação científica
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— Rio de Janeiro
22/10/2025 10h30 Atualizado agora
A Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI) publicou uma nova diretriz com orientações e recomendações para o diagnóstico e o tratamento do transtorno do espectro autista (TEA). Segundo a entidade, desde a elaboração do primeiro documento, em 2021, houve diversos novos estudos sobre o tema que levaram à necessidade da sua atualização.
Entre os principais pontos, a diretriz instrui profissionais sobre como identificar o TEA, esclarece quais intervenções de fato têm eficácia e alerta sobre abordagens sem comprovação científica, como ozonioterapia, transplante fecal, suplementação de vitaminas e dietas sem glúten.
O documento esclarece ainda que o canabidiol, embora muito usado, tem resultados inconclusivos sobre benefícios para autismo, sem a qualidade metodológica e de evidência necessária para prescrição a indivíduos com TEA por enquanto.
Abaixo, confira os principais pontos da diretriz.
Diagnóstico
O diagnóstico do autismo é essencialmente clínico, ou seja, feito a partir da observação da criança, análise de seu histórico e entrevista com os pais. Professores e outros cuidadores também podem ser contatados para auxiliar na avaliação.
Segundo o documento, é possível identificar sinais de alerta de TEA desde os primeiros meses de vida, como falha no contato visual durante a mamada e pouca ou nenhuma vocalização, embora eles sejam mais evidentes entre um e dois anos de idade.
Algumas características clínicas do TEA são dificuldade para iniciar e manter conversação, responder a uma interação social e em demonstrar corretamente as emoções e pouco contato visual. Além disso, sofrimento ou desconforto frente a mudanças, padrões rígidos de pensamento e comportamento e ações repetitivas motoras ou vocais.
A diretriz destaca ainda a importância de se avaliar o ambiente em que a criança está inserida, já que situações de vulnerabilidade social, afetiva, cultural e econômica podem impactar o desenvolvimento e levar a diagnósticos incorretos de TEA.
O mesmo alerta é feito em relação ao uso de telas, cuja exposição precoce e intensa pode gerar sintomas semelhantes aos do autismo, como atraso no desenvolvimento da linguagem e dificuldades de regulação emocional. No entanto, não há evidência de relação direta entre telas e um diagnóstico de TEA.
— Excesso de tela para criança pequena não causa autismo, não existe uma relação causal direta. Mas é importante a restrição de telas para todas as crianças, tenham ela TEA ou não — neuropediatra Julio Koneski, membro do Departamento Científico de Transtornos de Neurodesenvolvimento da SBNI e um dos autores do documento.
Sobre as escalas disponíveis para a avaliação de crianças, o documento cita que a Modified Checklist for Autism in Toddlers (M-CHAT), a Escala de Pontuação para Autismo na Infância - Childhood Autism Spectrum Disorders Test (CAST – crianças entre 4 e 11 anos) e o Questionário de Comunicação Social (SCQ) podem ser usados para triagem, mas não para estabelecer diagnóstico.
A M-CHAT é a mais amplamente utilizada no país, recomendada por autoridades como governos e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), e está disponível no aplicativo do SUS digital e na Caderneta da Criança.
Muitos estudos buscam um marcador biológico para identificação do autismo, com destaque para técnicas de rastreamento visual que têm se mostrado promissoras e foram aprovadas nos EUA, mas ainda não há abordagens do tipo disponíveis no Brasil.
— O documento reforça que o diagnóstico do autismo é clínico, que não existem exames laboratoriais. E aborda a importância do diagnóstico precoce, que deve ser feito antes dos 3 anos — afirma Koneski.
Nível de suporte e investigação complementar
Seguindo o Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais — 5.ª Edição (DSM-5), a SBNI lembra que o nível de gravidade do TEA é definido conforme nível de suporte, indo de pouco suporte (nível 1) até completamente dependente de suporte (nível 3).
A definição consiste “em avaliar a necessidade que o paciente requer para as atividades da vida cotidiana e a sua independência funcional” e demanda que o paciente tenha uma idade mais avançada e tempo de evolução do quadro. Por isso, a diretriz não recomenda classificar crianças recém-diagnosticadas ou muito pequenas.
A SBNI também orienta que todos os indivíduos passem por exames físicos com dermatologista, otorrinolaringologista e oftalmologista e torna obrigatório o exame neurológico como parte da investigação complementar.
Outros testes, como genéticos, podem ser considerados em casos específicos, como de históricos familiares ou associados a epilepsia e alterações congênitas.
Tratamentos
Segundo a nova diretriz, as intervenções para indivíduos com TEA buscam potencializar o seu desenvolvimento. A abordagem transdisciplinar é considerada a mais efetiva.
Aquelas com maior nível de evidência são baseadas na ciência da Análise do Comportamento Aplicada (ABA - Applied Behavior Analysis) associada a técnicas como fonoterapia e terapia ocupacional com integração sensorial.
“As intervenções baseadas em ABA variam desde abordagens altamente estruturadas, direcionadas e controladas, até intervenções que podem ser conduzidas por profissionais que se guiam pela liderança da criança e implementadas no contexto natural do comportamento”, diz o documento.
Outras abordagens como terapia mediada por música, terapia motora (fisioterapia, psicomotricidade ou educação física) ou abordagem pedagógica podem ser orientadas de acordo com cada caso individual.
A carga horária e frequência do tratamento devem ser indicadas após avaliação individual feita pelo médico responsável.
— Não é à toa que a nomenclatura é espectro autista, porque há uma heterogeneidade muito grande. Não tem como abordar terapeuticamente todas as crianças da mesma maneira, isso é muito claro. Cabe ao médico definir as necessidades e direitos do seu paciente junto com a família e à equipe multidisciplinar — diz Koneski.
Não há medicamentos especificamente para TEA, mas alguns remédios podem ser recomendados para aliviar sintomas de comorbidades associadas, como agressividade e irritabilidade, transtorno de ansiedade e distúrbios do sono.
“Contudo, vale ressaltar que é importante avaliar bem a causa e função de eventuais comportamentos interferentes ou disruptivos, pois em sua maioria são decorrentes de falha na comunicação, busca por atenção, esquiva, dentre outros”, alerta a diretriz.
Indivíduos com TEA apresentam uma prevalência mais alta de distúrbios do sono, por isso o documento orienta técnicas como higiene do sono, reforço positivo de comportamentos adequados, restrição planejada de sono, redução de estímulos e despertares programados, além da terapia cognitivo-comportamental e da educação parental.
Medicamentos e melatonina podem ser considerados, mas devem envolver um diagnóstico preciso de um distúrbio relacionado à hora de dormir e não substituem as medidas anteriores.
A sociedade reforça ainda que vacinas não causam nem desencadeiam o TEA, e que é indicado que os indivíduos recebam todos os imunizantes disponíveis para a sua faixa etária.
Abordagens sem eficácia
O documento alerta que diversas técnicas têm sido propostas e usadas sem evidências científicas que comprovem a eficácia para indivíduos com TEA. São elas:
- Ômega 3
- Vitaminas e suplementos sem haver uma deficiência diagnosticada: piridoxina,
- B12, vitamina D
- Leuprorrelina
- Dieta sem glúten (na ausência de doença celíaca ou intolerância diagnosticada)
- Dieta sem caseína
- Transplante fecal
- MMS
- Ozonioterapia
- Oxitocina
- Quelantes de metais pesados
- Corticoesteróides
- Imunoglobulina
- Antiparasitários
- Células-tronco
- Óleos essenciais, florais
- Sulforafano
- Son-rise, Padovan, psicanálise
- Oxigenioterapia hiperbárica
“O surgimento das mídias sociais possibilitou a disseminação de uma grande variedade de informações num curto espaço de tempo, o que fez com que a maioria dos pacientes com TEA use ou já tenha usado alguma terapia alternativa sem eficácia comprovada. A prescrição de um tratamento sem comprovação científica pode causar danos significativos (não apenas financeiros), uma vez que, quando a família decide adotar um tratamento alternativo, muitas vezes abandona o tratamento comprovadamente eficaz”, alerta a SBNI.
Canabidiol e ácido folínico
Em relação ao canabidiol (CBD), um dos compostos terapêuticos da planta cannabis sativa, embora seja comum a sua utilização em casos de autismo, a SBNI esclarece que os estudos ainda têm resultados que divergem entre si e que eles não têm “qualidade metodológica necessária para aprovação das agências regulatórias e indicação de prescrição”.
— Novos estudos devem definir melhor essa eficácia. Hoje, indicar o uso de canabidiol para indivíduos com autismo é experimental e sem garantia de eficácia. Tem que ter isso em mente — afirma Koneski.
Preferencialmente, o documento recomenda que a indicação deve ser feita mediante assinatura de termo de autorização e consentimento.
Já para o ácido folínico, forma bioativa do folato, alguns estudos nos últimos anos têm sugerido um possível benefício clínico. No entanto, até agora os trabalhos foram de fase 2, de três etapas, e nem todos demonstraram resultados positivos consistentes, “muito provavelmente pela heterogeneidade do TEA”, diz o documento.
A diretriz orienta que são necessários mais estudos e com mais participantes para confirmar potenciais benefícios e que, assim ocorre como o canabidiol, a indicação enquanto isso deve ser vista como experimental.
Outras abordagens, como estimulação craniana não invasiva, que usa uma corrente elétrica contínua, e técnicas naturalísticas, como Floortime, também têm sido alvo de estudos, mas ainda sem resultados robustos.
Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2025/10/22/autismo-o-que-diz-a-nova-diretriz-para-diagnostico-e-tratamento.ghtml
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